São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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OLHAR BRASILEIRO

Colégio Eleitoral, anacronismo problemático

LUIZ FERNANDO VALENTE

Na próxima terça-feira, quando 115 milhões de americanos indicarem suas preferências por John Kerry (democrata), George W. Bush (republicano) ou algum dos vários candidatos minoritários, legalmente não estarão elegendo seu próximo presidente, mas seus representantes no Colégio Eleitoral, isto é, um rol de eleitores selecionados pelas lideranças partidárias em cada unidade da Federação e comprometidos com os respectivos candidatos.
São os 538 membros do Colégio Eleitoral que, no dia 13 de dezembro, se reunirão nas capitais dos 50 Estados e no Distrito de Columbia (Washington) para votarem para presidente, comunicando suas decisões ao Senado em envelopes lacrados que, conforme a tradição, só serão abertos e tabulados no dia 6 de janeiro em sessão conjunta das duas Casas do Congresso.


O Colégio Eleitoral gera distorções que comprometem a integridade do processo democrático e concedem poder excessivo aos Estados, desvirtuando os propósitos dos patriarcas da república


A escolha indireta do presidente norte-americano foi adotada no século 18 por razões práticas e filosóficas. Esse método solucionava o problema de como realizar uma eleição nacional num país cuja pequena população estava dispersa por uma vasta área geográfica, com enormes dificuldades de transporte e comunicação.
Esse sistema preservava, igualmente, a influência de cada uma das 13 ex-colônias britânicas que em 1776 haviam formado uma confederação denominada Estados Unidos da América, mas que continuavam zelosas de sua individualidade, desconfiadas dos partidos políticos e cautelosas quanto a qualquer concentração de poder.
Apesar de seus muitos defensores, o Colégio Eleitoral é visto por um grande segmento da população norte-americana como um anacronismo. Como o número de eleitores é proporcional ao tamanho da população estadual e, com a exceção de Maine e Nebraska, o candidato mais votado em cada Estado recebe a totalidade dos seus votos eleitorais independentemente da margem de vitória, geram-se distorções que comprometem a integridade do processo democrático e concedem poder excessivo às máquinas políticas estaduais, desvirtuando os propósitos dos patriarcas da república.
Os Estados mais populosos, como por exemplo a Califórnia, com seus 55 votos eleitorais, acabam por exercer influência exagerada. Residentes de um Estado pequeno como Rhode Island ou indivíduos cuja preferência recai sobre um candidato que sabidamente será derrotado no Estado onde votam, como Kerry no Texas de Bush, têm a sensação de que seu voto vale menos e muitas vezes se desinteressam por comparecer às urnas.
Como em 2000, fala-se que esta eleição será decidida em alguns Estados-chave, como Ohio, Michigan e Flórida, que por isso vêm merecendo atenção especial dos candidatos, levados freqüentemente a focalizar em questões de interesse regional, antes que nacional.
Finalmente, como já ocorreu três vezes desde 1876, e, com eleitorado dividido, teme-se que aconteça novamente neste ano, é possível que o candidato preferido pela maioria dos cidadãos votantes do país seja derrotado por outro que garantiu um número maior de votos no Colégio Eleitoral através de uma combinação oportuna de vitórias em determinados Estados.
Os americanos ainda não esqueceram o desastre das eleições de 2000, quando Bush prevaleceu sobre Al Gore ao ser declarado vitorioso na Flórida por uma diferença de apenas 537 votos populares, chegando, com os 27 votos eleitorais do Estado, ao patamar necessário para se eleger, após uma votação repleta de irregularidades e uma apuração até hoje contestada, supervisionadas por uma partidária declarada de Bush, aliada do governador do Estado, irmão do candidato.
Que essa situação possa vir a se repetir deixa claro que os Estados Unidos estão longe de ser a perfeita democracia sonhada pelos seus fundadores e apregoada pelos políticos e pela mídia.

Luiz Fernando Valente é professor de literatura brasileira e comparada, e diretor do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University, em Providence (Rhode Island), EUA.


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