São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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O IMPÉRIO VOTA - ON THE ROAD


Há toda uma cultura "On the Road" num país que é retalhado de norte a sul e de leste a oeste por vias interestaduais largas, bem feitas e bem planejadas

"Se você for parado por um urso [policial], pague a multa, mesmo injusta. Você não vai querer passar um fim de semana numa prisão no Sul profundo"



Jornada começa com a sensação de refazer o caminho dos pioneiros

SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

"Eu estava debruçado sobre os mapas dos Estados Unidos havia meses, inclusive lendo livros sobre os pioneiros e saboreando nomes como Platte e Cimarron e outros, e no mapa de estradas havia uma trilha vermelha longa chamada Rota 6, que ligava a ponta do Cabo Cod diretamente até Ely, em Nevada, e de lá mergulhava para Los Angeles." Assim se refere o personagem Sal Paradise, do livro "On the Road", aos preparativos para sua primeira viagem sozinho pelos EUA, da Costa Leste à Costa Oeste. Sal, na verdade, é o alter ego do autor Jack Kerouac (1922-1969).
A horas de começar a viagem, a sensação é parecida. Primeiro, pelos mapas. O MapQuest assusta: se fosse de uma vez, sem parar para dormir, comer, reabastecer, a jornada levaria 42 horas e 25 minutos no volante do carro, a maioria pela I-10. A Interstate 10 é a rodovia interestadual norte-americana mais ao sul dos EUA, que começa no Pacífico californiano e termina no Atlântico da Flórida. Alguns caminhoneiros a chamam de "a interestadual mais solitária do país", pois cruza pelo menos três desertos, embora oficialmente esse título seja da I-80, mais ao centro, que liga San Francisco a Nova Jersey.
Na AAA, a Associação Americana de Automóvel, à qual qualquer viajante que se preza se associa, Louis, o rapaz que me atende, grita "o quê?" e diz que não vai me alugar o carro. "De Los Angeles a West Palm Beach? Você não vai conseguir. Sinto muito, mas não alugo." Atônito por ter de explicar a um vendedor por que ele deve aceitar meu dinheiro, pondero as distâncias, detalho o plano, falo dos hotéis e do planejamento. "Vou ter de falar com meu superior", concede ele (voto não-declarado nas eleições de terça).
Cinco minutos de música clássica depois, Louis volta: "OK, o carro é seu. Mas coloquei o "Never Lost" no pacote, porque você vai precisar". Trata-se de um serviço de navegação por satélite, cada vez mais comum nos EUA, no qual você coloca o "CEP" de saída e o de destino, e um visor mostra um mapa que indica o caminho. Pode-se optar ainda por uma voz, masculina ou feminina, que vai dizendo: "Agora, vire à direita. Agora, siga nesta estrada por 30 milhas". Voz esta que, espécie de HAL automotivo, corrige o motorista: "Você não virou à esquerda na última rua, como eu indiquei. Faça o retorno e volte. Você não virou è esquer...".
Há toda uma cultura "On the Road" num país que é retalhado de norte a sul e de leste a oeste por rodovias interestaduais largas, bem feitas e bem planejadas. Relatos, dicas e mapas atulham a Internet. Um amigo acha o "Bear Trap Guide", o guia das "armadilhas de urso", na verdade um exaustivo roteiro de radares e patrulhas espalhados pelas estradas norte-americanas -os ursos são os policiais. Só na I-10, há 35 patrulhas escondidas, esperando o motorista desavisado passar a mais de 70 milhas por hora ou 75 milhas por hora (cerca de 112 km/h e 120 km/h, respectivamente), os dois limites de velocidade.
Um motorista aconselha: "Se você for parado por um urso, pague a multa, mesmo que injusta, ou então ele vai levá-lo para a cadeia local e dar um jeito de você só ser ouvido pelo juiz depois de passado o fim-de-semana. Principalmente se você for negro, como é o meu caso. E, acredite, branco ou negro, você não vai querer passar um fim de semana numa prisão no Sul profundo...". Antes do Sul profundo, no entanto, tenho de sair da Califórnia e enfrentar Arizona, Novo México, Texas...


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