|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O IMPÉRIO VOTA - ON THE ROAD
Há toda uma cultura "On the Road" num país que é
retalhado de norte a sul e de leste a oeste por vias
interestaduais largas, bem feitas e bem planejadas
"Se você for parado por um urso [policial], pague a multa, mesmo injusta. Você não vai querer passar um fim de semana numa prisão no Sul profundo"
|
Jornada começa com a sensação de refazer o caminho dos pioneiros
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
"Eu estava debruçado sobre os
mapas dos Estados Unidos havia
meses, inclusive lendo livros sobre os pioneiros e saboreando nomes como Platte e Cimarron e outros, e no mapa de estradas havia
uma trilha vermelha longa chamada Rota 6, que ligava a ponta
do Cabo Cod diretamente até Ely,
em Nevada, e de lá mergulhava
para Los Angeles." Assim se refere o personagem Sal Paradise, do
livro "On the Road", aos preparativos para sua primeira viagem
sozinho pelos EUA, da Costa Leste à Costa Oeste. Sal, na verdade, é
o alter ego do autor Jack Kerouac
(1922-1969).
A horas de começar a viagem, a
sensação é parecida. Primeiro, pelos mapas. O MapQuest assusta:
se fosse de uma vez, sem parar para dormir, comer, reabastecer, a
jornada levaria 42 horas e 25 minutos no volante do carro, a
maioria pela I-10. A Interstate 10 é
a rodovia interestadual norte-americana mais ao sul dos EUA,
que começa no Pacífico californiano e termina no Atlântico da
Flórida. Alguns caminhoneiros a
chamam de "a interestadual mais
solitária do país", pois cruza pelo
menos três desertos, embora oficialmente esse título seja da I-80,
mais ao centro, que liga San Francisco a Nova Jersey.
Na AAA, a Associação Americana de Automóvel, à qual qualquer
viajante que se preza se associa,
Louis, o rapaz que me atende, grita "o quê?" e diz que não vai me
alugar o carro. "De Los Angeles a
West Palm Beach? Você não vai
conseguir. Sinto muito, mas não
alugo." Atônito por ter de explicar
a um vendedor por que ele deve
aceitar meu dinheiro, pondero as
distâncias, detalho o plano, falo
dos hotéis e do planejamento.
"Vou ter de falar com meu superior", concede ele (voto não-declarado nas eleições de terça).
Cinco minutos de música clássica depois, Louis volta: "OK, o carro é seu. Mas coloquei o "Never
Lost" no pacote, porque você vai
precisar". Trata-se de um serviço
de navegação por satélite, cada
vez mais comum nos EUA, no
qual você coloca o "CEP" de saída
e o de destino, e um visor mostra
um mapa que indica o caminho.
Pode-se optar ainda por uma voz,
masculina ou feminina, que vai
dizendo: "Agora, vire à direita.
Agora, siga nesta estrada por 30
milhas". Voz esta que, espécie de
HAL automotivo, corrige o motorista: "Você não virou à esquerda
na última rua, como eu indiquei.
Faça o retorno e volte. Você não
virou è esquer...".
Há toda uma cultura "On the
Road" num país que é retalhado
de norte a sul e de leste a oeste por
rodovias interestaduais largas,
bem feitas e bem planejadas. Relatos, dicas e mapas atulham a Internet. Um amigo acha o "Bear
Trap Guide", o guia das "armadilhas de urso", na verdade um
exaustivo roteiro de radares e patrulhas espalhados pelas estradas
norte-americanas -os ursos são
os policiais. Só na I-10, há 35 patrulhas escondidas, esperando o
motorista desavisado passar a
mais de 70 milhas por hora ou 75
milhas por hora (cerca de 112
km/h e 120 km/h, respectivamente), os dois limites de velocidade.
Um motorista aconselha: "Se
você for parado por um urso, pague a multa, mesmo que injusta,
ou então ele vai levá-lo para a cadeia local e dar um jeito de você só
ser ouvido pelo juiz depois de passado o fim-de-semana. Principalmente se você for negro, como é o
meu caso. E, acredite, branco ou
negro, você não vai querer passar
um fim de semana numa prisão
no Sul profundo...". Antes do Sul
profundo, no entanto, tenho de
sair da Califórnia e enfrentar Arizona, Novo México, Texas...
Texto Anterior: O império vota - Reta final: Discursos mostram oscilações de Kerry Próximo Texto: Imperiais: Macho man Índice
|