São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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O IMPÉRIO VOTA - RETA FINAL

Como senador, democrata criticou a Guerra do Golfo, muito menos custosa para os EUA, e apoiou a invasão do Iraque por Bush

Discursos mostram oscilações de Kerry

TODD S. PURDUM
DO "NEW YORK TIMES"

O senador John Kerry subiu ao pódio do Senado em 11 de janeiro de 1991 para fazer um discurso inequívoco e apaixonado contra a aprovação de uma resolução que autorizava o primeiro presidente Bush a lançar mão da força para expulsar as forças iraquianas de Saddam Hussein do Kuait.
"Será que devemos ir à guerra simplesmente porque um homem -o presidente- toma uma série de decisões unilaterais que nos prendem numa sinuca que torna a guerra em grande medida inevitável?", indagou Kerry.
Em 9 de outubro de 2002, Kerry se levantou no Senado para fazer um discurso muito diferente: uma arenga atormentada de 45 minutos em que manifestou seu apoio relutante ao pedido de George W. Bush por autorização para desarmar Saddam, quase certamente pela força.
"Ao apoiar o presidente, o Congresso demonstrará que nosso país está unido em sua determinação de tirar" o arsenal do Iraque, disse Kerry, "e estaremos afirmando o direito e a responsabilidade do presidente de conservar a segurança dos americanos."
Esses votos sobre questões de guerra e paz, entre os milhares de votos que Kerry deu ao longo de quase 20 anos, acabaram por ser vistos como uma espécie de metáfora de sua carreira no Senado, um estudo nos conflitos entre convicção e cálculo, clareza e confusão, conflitos esses que marcaram boa parte de sua vida política.
As diferenças entre os dois momentos, com 11 anos de distância entre ambos, foram muitas. Em 1991, a ONU já tinha autorizado a ação militar; a votação no Senado se deu quatro dias antes do fim do prazo-limite internacional para o início da guerra. Em 2002, o governo Bush ainda aguardava o apoio da ONU, e o voto do Senado era visto como alavanca de influência. Enquanto isso, os ataques de 11 de setembro de 2001 tinham mudado muita coisa no pensamento americano, como disse Kerry antes de dar seu voto.
Para Kerry, pessoalmente, porém, a mudança mais importante pode muito bem ter sido que, em 2002, ele já tinha decidido concorrer à Presidência, ele próprio, mesmo que ainda não tivesse declarado publicamente sua intenção. Ele estava encarando o poder presidencial e seu próprio histórico de duas décadas como "senador liberal de Massachusetts", como diz Bush, de maneira nova e mais defensiva. A votação aconteceu duas semanas antes das eleições da metade do mandato presidencial, e a Casa Branca estava contente com a oportunidade de fazer senadores democratas declararem suas posições -e colocá-los em situação difícil.
O que acabou acontecendo é que Kerry vem passando boa parte de sua campanha atual defendendo sua escolha em ambas as votações: tanto contra a autorização do uso da força em uma guerra que acabou sendo breve e bem vista, quanto a favor da autorização de outra guerra que vem sendo muito mais longa e divisória.
Toda a carreira de Kerry no Senado tem sido igualmente complicada. Enquanto o "The National Journal" classificou Kerry como o membro mais liberal do Senado, baseado nos votos que deu em 2003, seu histórico de votos e de discursos proferidos em toda sua carreira é mais eclético e menos previsível do que essa classificação pode parecer indicar.


Tradução de Clara Allain


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