São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 2005

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EUA

Caso Miers se soma a outros, como vazamento do nome de espiã, que afetam força do presidente e prejudicam suas iniciativas

Renúncia mina ações de Bush, dizem analistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A renúncia de Harriet Miers à sua indicação à Suprema Corte constitui mais um percalço para o governo americano num momento repleto de problemas para George W. Bush, que deverá ter repercussões doméstica -e, certamente, eleitoral- e externa.
Internamente, a crise em que está mergulhada a atual administração americana por várias razões -que vão do atoleiro em que se transformou a Guerra do Iraque ao vazamento do nome de uma agente da CIA que poderá colocar Karl Rove, a eminência parda do governo, no banco dos réus- solapará as principais iniciativas que o presidente pretendia privilegiar em seu segundo mandato.
Assim, a reforma da Previdência Social, à qual se opõem diversos setores da sociedade americana (da esquerda à direita -por razões distintas, obviamente), a nomeação do novo juiz da Suprema Corte e mudanças no sistema educacional estão em sério risco.
"Bush está bastante enfraquecido. Nem mesmo alguns de seus colegas republicanos ou conservadores o poupam nos últimos tempos, sobretudo em virtude da indicação de Miers. Com isso, suas esperanças de realizar uma verdadeira reforma da Previdência ou de alterar ainda mais o sistema educacional são vãs. Afinal, não há clima político para mais enfrentamentos com o Congresso", disse à Folha Diana Owen, da Universidade de Georgetown.
"Esse quadro também deverá refletir-se na eleição legislativa de 2006, que renovará a Câmara e parte do Senado. Embora não seja fácil derrotar candidatos que buscam a reeleição no sistema distrital dos EUA, os democratas poderão recuperar a maioria em uma das Casas ou, se fizerem uma boa campanha, até nas duas com uma pequena margem", acrescentou.
Trent England, da Fundação Heritage -influente centro de pesquisas conservador-, concorda com Owen no que se refere à capacidade do governo Bush de introduzir reformas, porém discorda de sua análise eleitoral.
"É claro que os problema que Bush enfrenta atualmente minam a governabilidade, embora sua posição pessoal não esteja em risco no momento. Ele pode ter tomado posições desajeitadas em relação a Miers ou a [John] Bolton [embaixador dos EUA na ONU], mas não cometeu nenhum deslize grave", avaliou England.
"Por outro lado, não creio que os republicanos percam a maioria no Congresso no próximo ano, pois os eleitores americanos tendem a separar questões ligadas ao Executivo de outras relacionadas ao Legislativo. Mesmo assim, os três próximos anos não reservam perspectivas brilhantes para o presidente", afirmou o analista.
Para Owen, contudo, o comportamento do eleitorado poderá mudar rapidamente se ele cansar-se do modo como o governo conduz a cena política americana. "Não se deve descartar a possibilidade de mudanças inesperadas."

Cena internacional
Na esfera internacional, Bush deverá ter dificuldade em manter o mesmo nível de comprometimento com a estabilização e com a reconstrução do Iraque por conta da crise política doméstica.
"Vários setores conservadores já pedem o início da retirada das tropas, visto que o argumento segundo o qual o Iraque está no centro da guerra ao terror não "cola" mais. Assim, o desejo do presidente de manter um grande contingente no Iraque se verá cada vez mais atacado nos próximos meses. E a situação ficará ainda pior se o número de soldados mortos continuar a crescer no ritmo atual", apontou England.
Com efeito, vários analistas conservadores e conceituados, como Brent Scowcroft, general da reserva que foi assessor para Assuntos de Segurança Nacional dos presidentes republicanos Gerald Ford (1974-77) e George Bush (1989-93), e Anthony Cordesman, especialista em questões de segurança global do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, vêm criticando as políticas de Bush nos últimos tempos.
Owen e England ressaltaram, todavia, que a situação poderia mudar positivamente para Bush se houvesse "um caso extremo" nos EUA. "A ocorrência de um novo atentado terrorista em solo americano, por exemplo, não seria utilizada contra o presidente. Na verdade, é trágico, mas ela poderia dar novo alento à sua administração", indicou Owen.


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