São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Palco de massacre vive "intifada cultural"

Oito anos depois, teatro e cinema revigoram Jenin, antes chamada de "capital dos suicidas", na Cisjordânia

Cidade se torna um dos símbolos da emergente economia palestina; porém, amargura contra Israel persiste

Mohammed Ballas-16.jan.2008/Associated Press
O ex-militante palestino Zakaria Zubeidi assiste a desenho animado junto a crianças no Teatro da Liberdade, em Jenin

MARCELO NINIO
ENVIADO A JENIN (CISJORDÂNIA)

Na entrada de Jenin, o solitário pôster de um "mártir", como são chamados os mortos em ataques terroristas ou em combate com Israel, se destaca numa fileira de anúncios de sabão em pó.
A foto do jovem de casaco militar, com Jerusalém ao fundo, é dos raros sinais da cidade que poucos anos atrás era sinônimo de terrorismo para israelenses -e de resistência para palestinos.
Em 2002, Israel invadiu o campo de refugiados de Jenin, conhecido por produzir homens-bomba em série (23 no total). A operação arrasou parte do campo e deixou 75 mortos -52 palestinos e 23 soldados israelenses.
Não foi o fim da violência em Jenin. Nos anos seguintes, a cidade se manteve como um dos focos da segunda intifada palestina (rebelião).
Lojistas fechavam as portas ao escurecer, enquanto adolescentes circulavam armados de fuzis. O Exército israelenses apertava o cerco, com incursões a qualquer hora do dia e da noite.
Hoje, o cenário é outro. Lojas e restaurantes ficam abertos até tarde, as ruas estão cheias de casais e crianças. Com recursos da Alemanha, o Cinema Jenin, fechado desde a primeira intifada (1987), foi reinaugurado em agosto.
Jenin virou um dos símbolos da emergente economia palestina, que cresceu 9% no primeiro semestre deste ano, segundo o FMI.
Um dos motivos foi a decisão israelense de permitir que moradores de aldeias árabes em Israel entrem na Cisjordânia para comprar.
Mas os bons negócios e os sinais de normalidade não apagaram a antiga amargura com a ocupação israelense.
No meio do campo de refugiados, palco dos sangrentos combates de 2002, o Teatro da Liberdade encarna a trajetória recente de Jenin.
A primeira versão do teatro, nos anos 1990, foi desativada após sua criadora, a israelense Arna Mer-Khamis, morrer de câncer.
Cinco dos atores mirins de Arna morreriam na segunda intifada, em combates ou atentados suicidas.
A história foi transformada em um impactante filme feito pelo filho de Arna, o ator Juliano Mer-Khamis, hoje diretor do Teatro da Liberdade.
Incomodado com a política israelense em relação aos palestinos, Juliano, 52, deixou a vida de playboy em Tel Aviv e voltou para Jenin para retomar o projeto da mãe.
O retorno, há cinco anos, foi marcado pela decepção. "Antes havia um verdadeiro espírito de liberdade. Parecia Cuba no início da revolução", relembra Juliano.
"Logo que voltei percebi que era um lugar diferente. Os israelenses conseguiram matar o espírito do indivíduo. Fiquei chocado. Pensei: o que precisam aqui é de um hospício, não de um teatro".

RESISTÊNCIA
Filho de pai árabe e mãe judia, Juliano diz que se mudou para Jenin pelo desejo de lutar contra a injustiça da ocupação israelense.
"Sou visto como judeu em Jenin e árabe em Israel. Mas tudo bem. Quem quer pertencer a essas duas nações?", diz com sarcasmo.
Com a encenação de peças clássicas, oficinas de interpretação e outros cursos, o teatro já foi considerado a linha de frente de uma espécie de "intifada cultural".
Mas Juliano é cético. "O teatro não é resistência. Pode salvar algumas crianças e criar a imagem de que somos um povo cultural, mais nada", diz Juliano.
Não muito longe dali, o diretor do recém-aberto Cinema Jenin, Fakhri Hamad, é bem mais otimista.
"Durante anos, a única atividade dos jovens e das crianças de Jenin era jogar pedras nos soldados israelenses. Com o cinema, mostramos que há outras formas de resistência", diz Hamad.


Texto Anterior: Foco: Regra para roupas de taxistas nova-iorquinos é relaxada
Próximo Texto: Mais procurado por Israel hoje incentiva teatro
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.