UOL


São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REPRESSÃO

Argentina reúne os arquivos da ditadura

CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES

O governo argentino criou um arquivo nacional com o objetivo de reunir toda a documentação sobre as vítimas da última ditadura militar no país (1976-83).
"É um passo a mais na luta que estamos levando adiante, mas temos que saber o que aconteceu, o que sucedeu em cada casa, em cada lugar, em cada centro de detenção", disse o presidente Néstor Kirchner na cerimônia de apresentação do Arquivo Nacional da Memória, na semana passada.
O decreto de criação do arquivo obriga todos os órgãos do Poder Executivo, assim como as Forças Armadas e os serviços de segurança, a entregar, "de ofício e em forma global, as informações, testemunhos e documentos" relacionados com violações de direitos humanos "em que esteja comprometida a responsabilidade do Estado argentino" no período.
"Temos que acabar com a noção de que há lugares que são intocáveis. Nós argentinos queremos saber a verdade. As instituições onde aconteceram essas coisas são instituições da República argentina e do Estado argentino e a obrigação é saber o que aconteceu durante todo esse trágico tempo", disse Kirchner.
Segundo ele, a criação do arquivo é uma resposta aos organismos de direitos humanos, que haviam "lutado fervorosamente durante muitíssimo tempo" por uma entidade com esse objetivo.
A criação do arquivo, no entanto, não foi bem recebida por alguns desses organismos.
"Um arquivo sobre as vítimas [da ditadura]? Sobre as vítimas já sabemos tudo, estão feitas as denúncias. Bom seria um arquivo sobre os repressores", criticou Mercedes Meroño, vice-presidente da Associação das Mães da Praça de Maio.
"O que aconteceu com elas já sabemos. Foram jogadas ao mar, torturadas, violentadas. O que queremos saber, se foram mortas com um tiro na nuca ou no coração? O mais importante é que quem matou esteja preso, não saber a forma como matou." Questionada se a reunião dos arquivos ajudaria na investigação e na punição dos culpados, foi cética: "Até aí vão estar todos mortos. Já se passaram mais de 20 anos".
Militantes de direitos humanos ouvidos pela Folha vêem também com ceticismo o dispositivo do decreto que obriga órgãos de segurança a disponibilizar os documentos que possuem.
"Nunca vão fazer isso", disse uma militante. "É mais um anúncio do governo Kirchner para apaziguar a esquerda", criticou.
O decreto não estipula prazos nem condições para a entrega dos documentos. Ademais, militantes dizem que a capacidade do arquivo de reunir documentação é reduzida porque muitos dos papéis foram destruídos quando os militares deixaram o poder, em 1983.
O problema é reconhecido dentro do governo. "Vai depender muito da vontade e da consciência política de cada um que tenha registro dos dados", admitiu uma assessora da Presidência.
Não há previsão de quando o arquivo estará funcionando com pleno acesso público.



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: No Brasil, dados estão dispersos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.