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ARTIGO
Com utopias, todo cuidado é pouco
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O mais provável vencedor das
eleições presidenciais do Uruguai,
em novembro, o esquerdista Tabaré Vazquez, foi cauteloso no
congresso de seu partido, a veterana e calejada Frente Ampla. Cita
Lula, segundo o semanário "Brecha", de Montevidéu, e diz que o
"contato com o governo" pode fazer com que se perca muito dos
sonhos". É preciso, avisa Vazquez, "despertar as utopias, recriar a ilusão".
Mas também é necessário "ter
senso de realidade". A afirmação
de que "desejar o impossível é tão
irresponsável e reacionário quanto conformar-se com o que aí está" talvez se torne uma nova máxima das esquerdas latino-americanas. Elas foram curtidas na repressão, na dificuldade de lidar
com as urnas, nos bloqueios golpistas e agora são obrigadas a encarar traumas resultantes de ascensão ao poder por meio do voto
e da necessidade de ajustar essa
realidade a discursos passados.
É um dos temas recorrentes das
discussões na Frente Ampla, que
procura evitar os mesmos traumas definindo um comportamento por antecipação. Nada de
repetir o velho slogan "sejamos
realistas, peçamos o impossível".
Um senador do time de Vazquez
foi mais longe. Declarou que "este
é o congresso da vitória, podemos
renunciar a tudo, menos à vitória". O todo cuidado é pouco de
agora joga com o conhecimento
do que se passa com governos que
despencaram de um festejado patamar de esperanças e hoje estão
às voltas com decepções.
Caso do Equador. Há quatro
anos (21 de janeiro de 2000), as organizações indígenas equatorianas "instrumentalizadas" por oficiais jovens da Escola Militar, colocaram o governo constitucional
em xeque e acabaram derrubando o presidente Jamil Mauhad.
Tratou-se de golpe, em meio a
descontentamento popular "sem
precedentes". Golpe incompleto.
Pressões internas e externas, sobretudo dos EUA, fizeram com
que assumisse o vice-presidente
Gustavo Noboa.
Mas o "21 de janeiro", com suas
legiões de indígenas, maioria da
população, em "aliança estratégica" com militares supostamente
de esquerda, teve seqüelas com
força suficiente para entrar no jogo político tradicional e virar a
mesa. Elegeu-se presidente um
coronel, Lucio Gutiérrez, que havia assumido a vanguarda militar
na frente com as organizações indígenas, motores da sua campanha. Um novo Chávez? No ano
passado, Gutiérrez ficou sob suspeita de ter recebido dinheiro do
narcotráfico. Foi defendido pessoalmente por Otto Reich, enviado especial de Bush.
Os EUA têm base militar na
Amazônia equatoriana. Os laços
com indígenas e as esquerdas se
romperam. Para sobreviver (são
altos os índices dos que querem
sua renúncia), Gutiérrez enturmou-se com os partidos tradicionais. Formou um centrão no Congresso. A "nova oposição" agrupou-se em torno da Esquerda Democrática, dos Movimentos Populares Democráticos, do indígena Pachakutik, da Coordenadoria
de Movimentos Sociais e de grupos menores. Acusam Gutiérrez
de corrupto, neoliberal e fascista.
Em 21 de janeiro, houve manifestação pró-renúncia. O Pachakutik retirou-se. Garante, no entanto, que continuará lutando pela renúncia do presidente e partirá
para o confronto logo que arranje
"parceiros estratégicos".
Outra trágica decepção é Jean-Bertrand Aristide, do Haiti, ex-padre egresso da teologia da libertação, numa época considerado o
portador da redenção dos negros
haitianos. Elegeu-se primeiro em
1990, foi golpeado, voltou com cobertura militar americana e está
num segundo mandato.
Sitiado em palácio, sustentado
por milícias armadas, só se desloca de helicóptero. Os haitianos
continuam tão miseráveis como
antes, ou mais.
Newton Carlos é jornalista e analista de
questões internacionais
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