São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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Para analistas, grupo abandonará violência

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

A perplexidade causada pela vitória do Hamas não se transformou em pânico entre os palestinos. Para os analistas consultados pela Folha, o movimento islâmico, conhecido por suas ações terroristas contra Israel, deixará a violência para construir uma imagem internacional positiva e um governo eficiente que lhe assegure a manutenção do apoio maciço recebido nas urnas.
A julgar pelos primeiros passos da liderança do grupo terrorista após a esmagadora vitória da última quarta-feira, acertou quem apontou o pragmatismo como uma das principais características do Hamas. Imediatamente após o anúncio dos resultados, Ismail Haniyeh, um dos líderes do grupo e provável primeiro-ministro do novo governo, anunciou que buscaria a "união nacional" através de uma coalizão com outros partidos e manifestou seu desejo de trabalhar com o presidente da Autoridade Nacional Palestina Mahmoud Abbas, do rival Fatah.


"Fala-se de guerra civil, de um Estado teocrático, mas os homens do Hamas são espertos demais para deixar isso acontecer. Eles saberão ser políticos eficientes"


Os palestinos não votaram no Hamas por apoiarem a doutrina radical pregada pelo movimento nos últimos anos, lembra Bassem Eid, diretor do Grupo Palestino de Monitoramento dos Direitos Humanos, mas por um desejo de mudança e de um governo transparente. "Por isso acho que os líderes do Hamas irão repensar seus princípios e se tornarão mais realistas", diz Eid, que não considera um erro suspender a ajuda internacional como forma de pressão. "As doações são destinadas ao povo palestino, não ao governo. Pressão desse tipo pode ser contraproducente." Metade do Orçamento anual palestino, de US$ 2 bilhões, vem do exterior.
Iyad Elsarraj, respeitado líder político de Gaza, diz acreditar que o Hamas aproveitará a chegada ao poder com inteligência. "Essa é uma oportunidade de ouro para promover a imagem internacional do movimento islâmico, que não é das mais positivas, e o Hamas tem consciência disso", afirma Elsarraj.
Para ele, mesmo em relação a Israel e aos EUA, que o consideram um grupo terrorista, o Hamas buscará um tom de conciliação. "Acho que dentro de duas semanas já veremos alguns passos em direção a uma aproximação."
O partido islâmico que deve servir de modelo para as previsões sobre o próximo governo palestino, diz Elsarraj, não é o radical Hizbollah, que entrou para o Parlamento libanês sem abandonar as armas, mas o moderado Justiça e Desenvolvimento, que governa a Turquia. Apesar da afinidade histórica entre Hizbollah e o Hamas, Elsarraj acredita que, em breve, as armas começarão a fazer parte do passado do movimento palestino. "Minha previsão é a de que eles abandonarão de vez o terrorismo."
Para Mahmoud Labadi, ex-diretor do Parlamento palestino e candidato independente derrotado nas últimas eleições, a retórica radical usada pelo movimento deve sofrer uma metamorfose quando chegar a hora de assumir o poder. "Minha previsão é a de que eles serão moderados, dando continuidade ao processo de paz com israelenses. Afinal, eles participaram de uma eleição que é conseqüência direta desse processo. Não há como escapar e eles sabem disso", disse Labadi, que acha improvável que possíveis atritos com outras facções, especialmente o Fatah, possam levar a um conflito generalizado.
"Fala-se de guerra civil, de um Estado teocrático, mas os homens do Hamas são espertos demais para deixar isso acontecer. Eles saberão ser políticos eficientes."
A estabilidade, no entanto, não dependerá apenas do Hamas, alerta o editor-chefe da agência de notícias palestina Ramattan, Shahdi Al-Kashif. "Se o Fatah desmoronar as conseqüências são imprevisíveis. Já começamos a ver aqui em Gaza gente do Fatah queimando bandeiras do Hamas e gritando palavras de ordem contra o movimento. Espero que o Fatah aceite a derrota com calma, para evitarmos uma guerra civil", disse Shahdi.


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