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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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Capital se revolta com ataques contra civis

DO ENVIADO A BAGDÁ

O senhor gorducho, de 40 e tantos anos, muitos quilos e poucos cabelos, não quis se identificar e nem precisava: suas intenções eram mais do que claras. Enquanto a imprensa visitava uma cratera provocada por um míssil da coalizão anglo-americana que por algum defeito não explodiu ao atingir o solo ontem, ele pulou no centro do buraco e pareceu procurar algo no chão.
Ignorando as ordens dos policiais e dos soldados que estavam no local e que temiam por sua segurança -afinal, o armamento havia sido lançado havia menos de duas horas, e o impacto que causou fez tremer diversos edifícios próximos do alvo, a sede da companhia telefônica estatal iraquiana-, ele alcançou uma pedra no chão e passou a escrever rapidamente no que sobrara do asfalto.
"Abaixo Bush! Abaixo a América!" foram as frases grafadas. Terminado o protesto, o iraquiano foi retirado do buraco sob aplauso de seus pares.
O manifestante anônimo está cada vez mais acompanhado. A cada alvo civil que é atingido por engano pela coalizão de britânicos e norte-americanos e a cada alvo misto (de função tanto civil quanto militar, como as companhias telefônicas de ontem), parece crescer rapidamente o apoio que a população civil iraquiana oferece à resistência contra os invasores.
"Eu sou um técnico de telefonia, trabalhava aqui neste prédio destruído, mas agora, se for convocado, luto na hora", disse à Folha Salam Ali, iraquiano que espiava o estrago feito pelos Tomahawk no lugar conhecido como Torre Saddam.

Resistência
"Não estou sozinho, pode bater nas portas de todas estas casas que cercam esta torre e agora estão sem telefone, depois de quase morrerem de susto durante a madrugada. Pergunte se elas vão lutar contra os invasores ou recebê-los de braços abertos", disse Salam Ali.
Com ele obviamente está de acordo o ministro da Defesa do Iraque, o general Sultan Hashem Ahmad.
"Nós não nos surpreenderemos se os inimigos cercarem Bagdá em cinco ou dez dias, mas eles terão de entrar na cidade", disse o general Ahmad. "E Bagdá não será tomada por norte-americanos ou britânicos enquanto seus cidadãos estiverem vivos dentro dela", disse.

"Terror nos corações"
Nas diversas mesquitas espalhadas pela cidade, especialmente cheias devido ao feriado muçulmano que acontece às sextas-feiras, a mensagem não era muito diferente.
A ordem do dia eram lutar na jihad, a guerra santa do Islã, contra os Estados Unidos. Durante toda a manhã, a TV estatal transmitiu o discurso de um dos principais líderes religiosos da capital do Iraque, o imã Abdel-Ghafour Al-Quisi.
"Que Deus instale o terror nos corações de nossos inimigos e mande contra eles soldados invisíveis", disse Abdel-Ghafour Al-Quisi.
"Eles vão morrer no inferno porque se lançaram numa agressão contra uma nação muçulmana", completou o líder religioso iraquiano. A seu lado, descansando no púlpito, seu rifle Kalashnikov era tão eloquente quanto suas palavras. A maioria da população iraquiana segue a religião muçulmana.
(SÉRGIO DÁVILA)


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