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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003
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Mais bombas, e o antebraço da amada
Está virando rotina. Os jornalistas acabávamos de deixar a recém-destruída sede ao lado da
Torre Saddam na tarde de ontem
quando algo estourou ao lado do
ônibus. Bomba? Míssil? Rojão?
"Kalashnikov", tranquilizou o
motorista, mais acostumado aos
ruídos das guerras, referindo-se à
arma russa utilizada pelo Exército
iraquiano. Não convenceu. "Pode
ter sido uma bomba pequena,
mas que não era um fuzil, não
era", disse um jornalista europeu,
cinco conflitos nas costas.
Segundo o ministro da Informação iraquiano, Mohammed
Said Al Sahaf, os EUA e o Reino
Unido estão usando agora as chamadas bombas "cluster" em seus
ataques. Seriam mais barulhentas
do que as tradicionais e viriam recheadas de pregos e pedaços de
metal, com o objetivo de atingir
mais as pessoas do que as construções.
Já o Hotel Palestine exibe como
troféu um furgão cinza com chapa do Kuait. O carro trouxe cinco
jornalistas franceses, que acharam que poderiam se desgarrar
do comboio das Forças Armadas
da coalizão anglo-americana, subir até Bagdá e entrar na cidade
sem problemas. Certamente acreditavam na tal "guerra de 72 horas" de que falava George W.
Bush antes de iniciado o conflito.
Foram presos assim que pisaram no hotel. O governo iraquiano não diz seus nomes nem a empresa para a qual trabalham. Os
equipamentos e as malas ainda
estão lá, no carro. A justificativa
oficial é a falta de visto de todos
eles.
Para piorar ainda mais o clima
no lugar, que é alvo militar, o pequeno palco em que as autoridades iraquianas dão entrevistas, no
centro de imprensa, recebeu uma
série de fotos chocantes de civis
supostamente feridos durante os
bombardeios da coalizão.
Os rumores mais recentes dão
conta de que Saddam Hussein estaria se preparando para fugir para a Síria com a família. Já teriam
ido embora para Damasco sua
primeira mulher, Sayida, que é
mãe de Uday e Qusay, e suas filhas
Raghad, Rana e Hala, com três caminhões carregados e 60 seguranças. Opinião dos acima-assinados? Impossível.
Cada vez mais as crianças estão
aparecendo nos eventos públicos
para também elas mostrarem seu
apoio ao governo. Gritam as palavras de ordem de sempre, com
uma diferença: quando cantam
"Abaixo Bush! Abaixo Bush!", invariavelmente chamam o presidente dos EUA de "Bôj".
Ainda são inocentes os iraquianos quando o assunto é mulher
-apesar de poderem ter até quatro ao mesmo tempo, legalmente.
A parte da anatomia feminina
mais desejável, segundo nos dizem os homens, é o antebraço.
Existe até doce com o nome do
membro: snood al sit, ou literalmente "o braço da mulher".
Já quando uma mulher bonita
passa eles falam "heloa!". Ou seja:
"Bonita!". Básicos.
Ainda são confiantes os iraquianos, também: vimos mais de um
motorista deixando pacote de dinheiro no console do carro estacionado na rua. Ninguém rouba.
Este diário já falou antes de mulheres e chicletes. Pois também
não há telefones públicos em Bagdá. Tão poucos que os raros são
anunciados com placas enormes.
Ninguém respeita semáforos
nem sinais de trânsito aqui. Vermelho, amarelo e verde são ficção
e não querem dizer nada, aparentemente, para os motoristas. Que
nos dizem que só está assim porque é guerra. Depois, acabam
confessando: mesmo em tempos
de paz ninguém pára nos faróis. |
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