São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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PODER NACIONALISTA
"Guru" da organização paramilitar que originou o BJP, que está no poder, elogiou Adolf Hitler
Fascismo assombra governo indiano

PETER POPHAM
do "The Independent", em Nova Déli

Quando o novo governo indiano, liderado pelo Partido Bharatiya Janata (BJP, nacionalista hindu), foi empossado este mês, o mundo recebeu a notícia sem alarde. O premiê britânico, Tony Blair, foi um dos primeiros a congratular o seu novo colega indiano, Atal Behari Vajpayee.
Mas Abheek Barman, colunista do jornal "Economic Times", de Nova Déli, ofereceu um cenário nada otimista. Barman apontou que a chegada dos nazistas ao poder na Alemanha foi tão rápida quanto a do BJP na Índia. E que nas eleições de março de 1933, depois das quais Hitler rasgou a Constituição e assumiu poderes ditatoriais, o partido nazista tinha obtido menos de 44% dos votos.
O que pode impedir a Índia de seguir o caminho da Alemanha? Ninguém em Nova Déli acredita que isso vá acontecer. O governo, apoiado por 21 parceiros, é provavelmente fraco demais para tentar qualquer coisa tão drástica.
Além disso, a Índia não está mergulhada no tipo de crise que engoliu a República de Weimar.
Mas essas palavras tranquilizadoras não devem ofuscar o fato de que, com a chegada do governo nacionalista, a Índia está entrando em águas turvas e desconhecidas.
O BJP não é um partido como os outros. É o braço político de uma organização paramilitar fundada há 73 anos chamada Rashtriya Swayamsevak Sangh (Associação de Voluntários Nacionais) ou RSS, que, em seu site na Internet (http://www.rss.org), se descreve como "a fonte do renascimento nacional". É a consciência do BJP.
A RSS é facilmente descartada como uma piada. Isso se deve principalmente ao insólito vestuário de seus membros: bermudas cáqui e bengalas de bambu os fazem mais parecidos com escoteiros crescidos do que com nazistas.
Mas a RSS se leva muito a sério. Seu crescimento durante as últimas décadas do regime colonial britânico foi uma tentativa de fazer aos hindus o que Mussolini e Hitler estavam fazendo à Itália e à Alemanha: evocar uma era dourada e desaparecida de força e pureza nacionais, forjar uma união popular identificando e estigmatizando inimigos nacionais e formar uma base para a tomada do Estado criando um corpo paramilitar dedicado e fanático.
"Nossa história nos diz que houve uma época em que nosso país era livre e próspero, atingindo elevados patamares em todos os aspectos da vida", declara o site.
"Mas ele foi derrotado e humilhado por um punhado de invasores estrangeiros. Vários defeitos graves assolaram nosso corpo nacional e corroeram nossa força interna, tornando nosso país presa fácil para agressores externos."
A maior obsessão da RSS tem sido o "problema muçulmano": o que fazer com os cerca de 11% da população indiana de fé islâmica.
Madhav Gowalkar, primeiro líder da RSS, conhecido simplesmente como "guru", se inspirou em Hitler para resolver o seu próprio "problema semítico": "Para manter a pureza de sua nação e sua cultura, a Alemanha chocou o mundo ao eliminar sua raça semítica, os judeus", escreveu.
"O orgulho nacional em sua plenitude foi exibido ali. A Alemanha também demonstrou como é impossível raças e culturas diferentes se assimilarem... O povo não-hindu do Hindustão (Índia) deve ...aprender a reverenciar a religião hindu, deve deixar de ser estrangeiro ou deve ficar no país sem reivindicar nada, nem mesmo os direitos de cidadão."
Muçulmanos e outras minorias continuam sendo a obsessão do BJP. O mais polêmico e importante artigo do programa do partido, retirado da agenda nacional por pressão dos aliados, continua sendo a construção de um grandioso templo hindu em Ayodhya, o suposto local de nascimento do Deus hindu Rama, no lugar de uma mesquita destruída por fanáticos hindus em dezembro de 1992.
Mas mais temerários são alguns fatos que passaram quase desapercebidos. Ativistas da RSS já começaram a intimidar missionários cristãos e convertidos -tentando reconvertê-los ao hinduísmo.
No início do mês, um encontro religioso de quatro dias em Gujarat teve de ser cancelado no primeiro dia após ativistas hindus terem incendiado um carro e apedrejado participantes.
Agressões desse tipo vão se tornar mais comuns agora que o BJP está no poder. A Justiça pode fazer vista grossa. Uma mídia cada vez mais simpática ao partido irá fingir que nada vê. E a Índia, famosa por sua diversidade e tolerância, se tornará um pouco mais cruel, um pouco mais perversa. E isso é o melhor que se pode esperar.


Tradução de Sérgio Malbergier



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