São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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CHOQUE NA FRANÇA

Em missa ontem em Paris, padre condenou extrema direita; fiéis divergiram sobre sermão

Igreja Católica prega voto contra Le Pen

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A Igreja Católica na França está em plena campanha, à sua maneira, contra o avanço da extrema direita e o seu candidato presidencial Jean-Marie Le Pen.
Na missa de domingo da igreja Saint Eustache, a segunda maior de Paris (depois da Notre Dame), o padre Antoine Adam encerrou o seu sermão com um claro apelo político para que os católicos não votem na Frente Nacional (FN), o partido de Le Pen.
"Precisava falar, pois senti que havia católicos que estavam indecisos", disse ele à Folha, após a missa das 11h, em Paris.
Em todo o país, a cúpula clerical já se pronunciou sobre o assunto, em geral de forma alusiva, sem citar os candidatos Le Pen e Jacques Chirac e evocando os valores da tolerância, da caridade, da irmandade e da democracia.
Padre Adam, porém, foi explícito. Ele leu o texto evangélico (João 14, 1-12) e dedicou os minutos finais do sermão para a política. "Não se pode ser discípulo de Jesus Cristo e aderir às idéias da Frente Nacional. Este não é o caminho do Evangelho, da verdade e da vida", pregou aos fiéis.
Para o padre Christian Durouzoy, um dos que também celebraram a missa, Adam foi excessivamente objetivo. "Eu teria dito de maneira mais nuançada", diz. Mas padre Adam pensa o contrário: "As coisas não estão claras na cabeça de muitas pessoas. Era preciso redizer, sem ambiguidades".
A dona de casa Marie-Christine Lesprit, 50, espantou-se com o encerramento do sermão. "Fiquei chocada. Ele falou duas vezes na Frente Nacional. Venho aqui há 20 anos e nunca ouvi nada parecido. Tinha gente na igreja que é desse partido."
"É a primeira vez na minha vida que vejo um padre dar conselhos de voto", afirma o aposentado Marcel, 57 (não quis dar o sobrenome). Ele também confirma que havia lepenistas na missa. "Uns 20 ou 30, mas você não vai encontrá-los, porque agora eles terão vergonha de dizer que votam na Frente Nacional."
O funcionário público Nicolas Armel, 29, apoiou a atitude do padre Adam. "Acho que agiu certo, mas gostaria de saber se, caso Arlette Laguiller (extrema esquerda) tivesse ganho, ele teria feito o mesmo. Não se pode ser católico e ser da Frente Nacional ou comunista."
Para o professor Marc Gautrelet, 46, o sermão era não apenas "necessário, como indispensável". "A parte conservadora dos católicos, com integristas, chega a 30% dos que frequentam a igreja", ele calcula.
É realmente volumoso o número de votos da direita católica na França. Nas eleições presidenciais de 1995, esse eleitorado deu preferência ao candidato Phillipe de Villiers, que ficou em 7º lugar no primeiro turno, com 1.443.186 votos (4,7%). Neste ano, esses votos poderiam ter ido para o candidato Charles Pasqua (direita), mas ele acabou não concorrendo.
Suspeita-se que, assim, boa parte do voto conservador católico tenha sido capitalizado pela extrema direita. "Le Pen suspendeu no primeiro turno a dimensão racista de sua linguagem, que chocava os católicos. Embora nem sempre tenha sido assim, esses fiéis são hoje mais antifascistas que os demais. E efetivamente Le Pen mordeu esse eleitorado", afirma o sociólogo e cientista político Jean Viard.
Na última semana, a igreja saiu ao ataque. A maior instância católica na França, o cardeal Jean-Marie Lustiger, arcebispo de Paris, sem citar Le Pen, condenou a deturpação de símbolos católicos feita pelo candidato. "A igreja e os cristãos não podem aceitar que se deturpe de sua significação os símbolos e as convicções religiosas em prol da polêmica eleitoral", declarou. Le Pen também foi criticado por lideranças católicas por ter utilizado frases do papa em sua campanha eleitoral.
Os pronunciamentos foram mais fortes em regiões em que Le Pen ganhou. "Eu votarei contra Le Pen e seu partido", anunciou o monsenhor Georges Gilson, arcebispo de Sens-Auxerre, onde o candidato teve 25% votos.
Em Marselha, onde também ganhou, o arcebispo da cidade, Bernard Panafieu, pediu aos fiéis que "defendam os valores da tolerância e do respeito mútuo e recusem toda forma de racismo, antisemitismo e exclusão".
No dia 1, a FN fará uma passeata em homenagem a Joana d'Arc em Paris, para exibir força eleitoral. A estátua dourada da heroína, perto da praça Concorde, foi pichada nos últimos dias com frases como: "Queimem Le Pen". Joana d'Arc foi condenada à fogueira em 30 de maio de 1431, data em que a Igreja festeja a santa.
O jornal "La Croix", principal publicação católica da França, publicou na sua edição de fim de semana artigo condenando a utilização de santa Joana d'Arc pelo líder da FN. "Até onde o líder da Frente Nacional irá no seu travestimento e na sua recuperação dos símbolos?", pergunta.


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