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CHOQUE NA FRANÇA
Em missa ontem em Paris, padre condenou extrema direita; fiéis divergiram sobre sermão
Igreja Católica prega voto contra Le Pen
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A Igreja Católica na França está
em plena campanha, à sua maneira, contra o avanço da extrema direita e o seu candidato presidencial Jean-Marie Le Pen.
Na missa de domingo da igreja
Saint Eustache, a segunda maior
de Paris (depois da Notre Dame),
o padre Antoine Adam encerrou
o seu sermão com um claro apelo
político para que os católicos não
votem na Frente Nacional (FN), o
partido de Le Pen.
"Precisava falar, pois senti que
havia católicos que estavam indecisos", disse ele à Folha, após a
missa das 11h, em Paris.
Em todo o país, a cúpula clerical
já se pronunciou sobre o assunto,
em geral de forma alusiva, sem citar os candidatos Le Pen e Jacques
Chirac e evocando os valores da
tolerância, da caridade, da irmandade e da democracia.
Padre Adam, porém, foi explícito. Ele leu o texto evangélico (João
14, 1-12) e dedicou os minutos finais do sermão para a política.
"Não se pode ser discípulo de Jesus Cristo e aderir às idéias da
Frente Nacional. Este não é o caminho do Evangelho, da verdade
e da vida", pregou aos fiéis.
Para o padre Christian Durouzoy, um dos que também celebraram a missa, Adam foi excessivamente objetivo. "Eu teria dito de
maneira mais nuançada", diz.
Mas padre Adam pensa o contrário: "As coisas não estão claras na
cabeça de muitas pessoas. Era
preciso redizer, sem ambiguidades".
A dona de casa Marie-Christine
Lesprit, 50, espantou-se com o encerramento do sermão. "Fiquei
chocada. Ele falou duas vezes na
Frente Nacional. Venho aqui há
20 anos e nunca ouvi nada parecido. Tinha gente na igreja que é
desse partido."
"É a primeira vez na minha vida
que vejo um padre dar conselhos
de voto", afirma o aposentado
Marcel, 57 (não quis dar o sobrenome). Ele também confirma que
havia lepenistas na missa. "Uns 20
ou 30, mas você não vai encontrá-los, porque agora eles terão vergonha de dizer que votam na Frente
Nacional."
O funcionário público Nicolas
Armel, 29, apoiou a atitude do padre Adam. "Acho que agiu certo,
mas gostaria de saber se, caso Arlette Laguiller (extrema esquerda)
tivesse ganho, ele teria feito o
mesmo. Não se pode ser católico e
ser da Frente Nacional ou comunista."
Para o professor Marc Gautrelet, 46, o sermão era não apenas
"necessário, como indispensável". "A parte conservadora dos
católicos, com integristas, chega a
30% dos que frequentam a igreja", ele calcula.
É realmente volumoso o número de votos da direita católica na
França. Nas eleições presidenciais
de 1995, esse eleitorado deu preferência ao candidato Phillipe de
Villiers, que ficou em 7º lugar no
primeiro turno, com 1.443.186 votos (4,7%). Neste ano, esses votos
poderiam ter ido para o candidato
Charles Pasqua (direita), mas ele
acabou não concorrendo.
Suspeita-se que, assim, boa parte do voto conservador católico
tenha sido capitalizado pela extrema direita. "Le Pen suspendeu no
primeiro turno a dimensão racista de sua linguagem, que chocava
os católicos. Embora nem sempre
tenha sido assim, esses fiéis são
hoje mais antifascistas que os demais. E efetivamente Le Pen mordeu esse eleitorado", afirma o sociólogo e cientista político Jean
Viard.
Na última semana, a igreja saiu
ao ataque. A maior instância católica na França, o cardeal Jean-Marie Lustiger, arcebispo de Paris,
sem citar Le Pen, condenou a deturpação de símbolos católicos
feita pelo candidato. "A igreja e os
cristãos não podem aceitar que se
deturpe de sua significação os
símbolos e as convicções religiosas em prol da polêmica eleitoral", declarou. Le Pen também foi
criticado por lideranças católicas
por ter utilizado frases do papa
em sua campanha eleitoral.
Os pronunciamentos foram
mais fortes em regiões em que Le
Pen ganhou. "Eu votarei contra
Le Pen e seu partido", anunciou o
monsenhor Georges Gilson, arcebispo de Sens-Auxerre, onde o
candidato teve 25% votos.
Em Marselha, onde também ganhou, o arcebispo da cidade, Bernard Panafieu, pediu aos fiéis que
"defendam os valores da tolerância e do respeito mútuo e recusem
toda forma de racismo, antisemitismo e exclusão".
No dia 1, a FN fará uma passeata
em homenagem a Joana d'Arc em
Paris, para exibir força eleitoral. A
estátua dourada da heroína, perto
da praça Concorde, foi pichada
nos últimos dias com frases como: "Queimem Le Pen". Joana
d'Arc foi condenada à fogueira
em 30 de maio de 1431, data em
que a Igreja festeja a santa.
O jornal "La Croix", principal
publicação católica da França, publicou na sua edição de fim de semana artigo condenando a utilização de santa Joana d'Arc pelo líder da FN. "Até onde o líder da
Frente Nacional irá no seu travestimento e na sua recuperação dos
símbolos?", pergunta.
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