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Avó guarda indenização
para o neto desaparecido
Leo Wen/Folha Imagem
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"Mães' fazem marcha semanal na praça de Maio, em Buenos Aires, ritual que completa 30 anos |
DE BUENOS AIRES
Escurece na capital argentina e, pela avenida de Maio, centro da cidade, caminha, passos
curtos e cabeça branca, Mirta
Acuña de Baravalle. Acompanhada por uma amiga e pela reportagem da Folha, busca um
lugar para comer após sair do
trabalho.
É numa lanchonete do
McDonald's, jantando um sanduíche de frango, que Mirta,
82, revela ser uma das 14 mulheres que estiveram na praça
de Maio em 30 de abril de 1977.
Os livros de história confirmam: é ela mesma.
Uma mordida em uma batata
frita e a vozinha calma e bem
baixinha conta que o desespero
pelo desaparecimento de sua
filha primogênita e de seu genro a levou à praça para pedir
notícias. No périplo por delegacias e repartições, em busca de
qualquer pista, a dona-de-casa
conheceu outras mulheres, outras com a mesma dor.
Juntas -embora não tenham se dado conta naquele
momento-, fundavam a associação Mães da Praça de Maio.
A filha Ana Maria, porém,
quando foi seqüestrada pelo
regime militar, tinha 28 anos e
estava grávida de cinco meses.
A informação de que ela havia dado à luz em um centro
clandestino de detenção mudou tudo: Mirta era avó.
"Eu comecei a buscar meu
neto ou neta, nunca soube o sexo. Eu não sabia como buscar e
não me sentia acolhida nessa
dor dentro das Mães", contou.
Cada uma se ocupava de sua
dor. E ela, sem deixar o grupo
das Mães, encontrou outras
mães-avós pelo caminho. Juntas, fundaram a associação
Avós da Praça de Maio em outubro de 1977.
Adolescentes que conversam
animadamente sobre futebol
enchem a mesa ao lado. Tomam copos de meio litro de refrigerante enquanto Mirta mal
consegue beber a metade de
um copo pequeno. Fica na bandeja metade do sanduíche.
Anos depois, conta ela, as
Mães se separaram. "Eu recebi
cada centavo [da indenização].
No último dia do prazo, fui deitar e fiquei me perguntando o
que fazer. Senti minha filha
Ana respondendo: "Mamãe, cobre deles cada centavo". Foi o
que fiz. Mas não gastei. O dinheiro está guardado, já deixei
escrito que está guardado para
quando aparecer o meu neto.
Mesmo que não esteja aqui."
Conta que, "por discordâncias internas", deixou a militância nas Avós e hoje participa
e trabalha apenas na chamada
Linha Fundadora, que ela também ajudou a criar, em 1986.
"Acho que, acima de tudo, cada uma tem o direito de sentir
sua dor como lhe corresponde.
Não existe uma regra", afirma.
Passo lento, desce as escadas
-a mesa estava no segundo andar. Deixa a lanchonete e se
despede da amiga -tomará o
metrô. Depois, deveria pegar
um ônibus. No dia seguinte diria à Folha: "Vi que não tinha
moedas para pagar o ônibus.
Fui caminhando."
(BRUNO LIMA)
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