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São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2003

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DIREITOS HUMANOS

Relatório da entidade diz que o mundo ficou mais perigoso porque o direito internacional foi subestimado

Anistia critica a guerra americana ao terror

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

A guerra ao terrorismo tornou o mundo mais perigoso, segundo a Anistia Internacional, que ontem divulgou seu relatório anual sobre o abuso de direitos humanos no mundo em 2002. A entidade fez duros ataques à política do governo americano. Segundo a Anistia, as pessoas, hoje, estão mais inseguras do que em qualquer momento desde o fim da Guerra Fria.
"A guerra ao terrorismo, longe de tornar o mundo um lugar mais seguro, tornou-o mais perigoso, ao reduzir os direitos humanos, ao subestimar as normas da legislação internacional e ao impedir o exame aprofundado dos governos", diz o relatório.
Para a entidade de defesa dos direitos humanos, o esforço contra o terror aprofundou as tensões entre pessoas de religiões e origens diferentes, lançando "sementes para mais conflitos". O resultado é "medo genuíno". A secretária-geral da Anistia, Irene Khan, acusou os EUA de terem adotado uma "doutrina de direitos humanos à la carte".
"Os EUA continuam a escolher quais de suas obrigações dentro da legislação internacional vão usar", disse Khan na apresentação do relatório, em que criticou a situação dos suspeitos de terrorismo que estão presos, sem acusação formal, na base americana de Guantánamo (Cuba).
"O que era inaceitável antes de 11 de setembro de 2001 agora está se tornando norma", disse ela.
Segundo a Anistia, em tempos de maior insegurança, governos como o dos EUA escolheram ignorar um sistema de segurança coletiva representado pela legislação internacional.
A organização não contesta o direito de os governos agirem contra a violência criminosa e política por grupos e indivíduos armados. "Pelo contrário, apelamos aos governos para protegerem as pessoas de acordo com a lei", diz o relatório, acrescentando que a Anistia condena os ataques de grupos armados contra civis como "grave abuso" dos direitos humanos. "No entanto os abusos de direitos humanos cometidos por grupos armados não são uma licença para os governos esquecerem suas obrigações. Os governos não têm legitimidade para responder ao terror com terror."
Para a secretária-geral, é vital resistir à manipulação do medo e desafiar o estreito foco da agenda de segurança. "A definição de segurança deve ser ampliada para incluir a segurança das pessoas, assim como a dos países", disse.
Irene Khan disse que a comunidade internacional não tem do que se orgulhar por seu desempenho no Afeganistão, porque "promessas de paz e justiça foram quebradas" e essa situação pode se repetir no Iraque. Ela sublinhou que, semanas depois do fim do conflito no Iraque, problemas não foram resolvidos e que, "se continuarem os atritos entre o povo iraquiano e as forças de ocupação, a situação pode se deteriorar rapidamente".
A Anistia reconhece que a situação dos direitos humanos no Afeganistão melhorou desde a instalação do novo governo em substituição ao Taleban, no fim de 2001. Mas alerta que, 18 meses depois do fim da guerra, milhões de afegãos, incluindo refugiados forçados a retornar, enfrentam um futuro incerto e inseguro. Segundo a secretária-geral, fora de Cabul a insegurança e as disputas entre diferentes grupos estão voltando aos níveis que eram antes da chegada do Taleban ao poder, em 96.
A organização argumenta que a guerra no Iraque dominou a agenda do mundo, enquanto ficaram "esquecidos" conflitos que provocaram pesadas perdas em vidas e direitos humanos em diferentes partes do mundo, como os da Colômbia, da Costa do Marfim, da Tchetchênia, do Burundi ou do Nepal. Na Colômbia, segundo a Anistia, "desde 1985, mais de 60 mil pessoas foram mortas, 80% delas civis, e centenas de milhares foram desalojadas, torturadas e sequestradas ou estão desaparecidas".
O relatório também denuncia que os governos gastaram "bilhões" em um esforço para reforçar a segurança nacional e a guerra contra o terrorismo. No entanto, "para milhões de pessoas, a verdadeira fonte de insegurança são os sistemas policiais e de Justiça corruptos e ineptos, a repressão brutal à dissidência política, a dura discriminação e as iniquidades sociais", diz a organização.


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