São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Posse do governo interino em Bagdá ocorre 2 dias antes do previsto por temor de ataques; Bremer deixa país

Com medo, EUA antecipam transferência

DA REDAÇÃO

O governo interino iraquiano tomou posse ontem, dois dias antes da data prevista, em uma cerimônia discreta e privativa em Bagdá. Foi um movimento-surpresa dos EUA, que devolveram aos iraquianos a administração de seu país mais de 15 meses depois de o terem invadido e imediatamente retiraram de lá sua máxima autoridade civil, o chefe da agora extinta Autoridade Provisória da Coalizão, Paul Bremer.
Segundo resolução da ONU aprovada no último dia 8, esse governo será "soberano". Mas ele não tem controle sobre os cerca de 160 mil soldados estrangeiros que permanecerão no país sob comando americano pelo menos até o fim de 2005, quando deve tomar posse o primeiro governo eleito do Iraque em mais de 40 anos. Os EUA afirmam que suas forças continuarão no Iraque "pelo tempo que for necessário".
Segundo um membro do governo que pediu para não ser identificado, a antecipação do processo vinha sendo discutida entre o gabinete interino e as autoridades americanas havia dez dias, mas só ontem se chegou a uma decisão.
A transferência, sacramentada em uma carta entregue por Bremer ao juiz iraquiano Midhat al Mahmud, pegou de surpresa jornalistas, a população iraquiana e, sobretudo, os insurgentes, que desde o início de junho vinham intensificando sua campanha de ataques contra estrangeiros e iraquianos que colaborassem com os EUA -o que alimentou os temores de que ataques sangrentos fossem planejados para amanhã, o dia marcado para a transferência administrativa.
Os ataques da insurgência impuseram os maiores obstáculos à ocupação americana e levaram autoridades como o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, a concluir que o planejamento para o pós-guerra, após uma eficiente ação militar, deixou a desejar. Desde a intensificação da campanha da insurgência, em agosto passado, a coalizão liderada pelos EUA passou a revisar seus planos, buscando transferir a administração do país aos iraquianos o mais cedo possível e, assim, tentar conter a violência e obter maior apoio internacional diante da escalada das baixas militares (mais de 600 soldados dos EUA morreram no pós-guerra) e de seu alto custo.
Mas a escolha do governo interino, que teve como base o extinto Conselho de Governo Iraquiano (nomeado pelos EUA), não agradou aos insurgentes nem aos demais opositores da ocupação, que costumam se referir ao novo gabinete como "fantoches" dos EUA.
O premiê interino, Iyad Allawi, um médico xiita de 59 anos, é visto com desconfiança por ter feito parte do Baath -o extinto partido de Saddam Hussein- e trabalhado para serviços secretos ocidentais como a CIA.
"O Iraque nunca será isolado como Saddam queria que fosse", disse Allawi ao assumir o cargo, pedindo união dos iraquianos contra a insurgência. "É uma tarefa complexa. A transformação da sociedade não vai ocorrer em semanas, dias ou meses, mas sim em anos. Estamos cheios de esperança, paciência e tolerância, mas seremos firmes e avançaremos rumo à paz, à estabilidade e à democracia." Já o presidente interino, o líder tribal sunita Ghazi Yawer, agradeceu à coalizão e referiu-se à data como "um dia histórico, feliz, pelo qual os iraquianos aguardavam ansiosamente".
A cerimônia de transferência ocorreu a portas fechadas no palácio usado pelo antigo Conselho de Governo Iraquiano e só foi anunciada publicamente depois de acabar, às 10h26 (hora local). A posse aconteceu num segundo evento, desta vez televisionado.
Responsáveis pelo que ocorreu no Iraque durante os últimos 15 meses, o presidente dos EUA, George W. Bush, e o premiê britânico, Tony Blair, foram informados de que a transição havia ocorrido quando participavam da cúpula da Otan em Istambul.
Só horas mais tarde o secretário-geral da ONU, Kofi Annan emitiu um comunicado dando ao Iraque as boas-vindas "de volta à família das nações independentes e soberanas".

Pronta retirada
O novo embaixador americano no país, John Negroponte, chegou em Bagdá poucas horas depois de Paul Bremer deixar o país. Ex-representante dos EUA na ONU, Negroponte deve comandar a maior embaixada americana no mundo -mais um sinal de que, apesar do fim oficial da ocupação, a presença americana no Iraque permanecerá forte.
Administrador do país desde maio de 2003, Bremer deixou o Iraque duas horas após entregar o poder, embarcando em um avião militar após uma rápida cerimônia no Aeroporto Internacional de Bagdá. Ele estava acompanhado do porta-voz da coalizão, Dan Senor, e de assessores próximos.


Com agências internacionais

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