São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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GUERRA AO TERROR

Suprema Corte reconhece direito de "combatentes inimigos" apelarem para tribunais americanos

Justiça dos EUA aceita casos de Guantánamo

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu ontem que prisioneiros americanos e estrangeiros acusados de terrorismo podem recorrer à Justiça americana para questionar sua detenção.
A decisão limita a capacidade do governo de George W. Bush de manter presos e interrogar supostos terroristas indefinidamente, sem lhes permitir acesso a advogados ou à Justiça, e, muitas vezes, sem apresentar acusações formais contra os detidos.
"A história e o bom senso nos ensinam que um sistema de detenção sem questionamento carrega consigo o potencial de se tornar um meio de opressão e de abuso", disse a juíza Sandra Day O'Connor.

"Combatentes inimigos"
A Casa Branca argumentava que todos os casos analisados ontem se referiam a "combatentes inimigos", aos quais não se aplicariam os direitos tradicionais de prisioneiros de guerra nem as proteções constitucionais garantidas a suspeitos de cometerem crimes nos EUA.
O argumento da administração Bush era o de que apenas o presidente teria autoridade para ordenar prisões desse tipo, e que a Justiça não teria o direito de limitar a autoridade do presidente na guerra contra o terror.
A prática era uma das principais bases da guerra da Casa Branca contra o terrorismo e também uma das mais criticadas no governo Bush por organizações de defesa dos direitos humanos nos EUA e em outros países.
A Suprema Corte analisou três casos específicos: o de presos estrangeiros na base americana de Guantánamo, em Cuba, o do preso americano Yaser Esam Hamdi e o do também americano José Padilla.
No mais importante desses casos, a Suprema Corte decidiu, por 6 votos contra 3, que os cerca de 600 prisioneiros de Guantánamo têm o direito de recorrer à Justiça americana para questionar supostas prisões ilegais e violações de seus direitos. Os juizes não entraram no mérito de nenhum caso específico.
"O que está em questão é apenas se cortes federais têm jurisdição para determinar a legalidade da detenção por tempo indeterminado por parte do Executivo de indivíduos que alegam ser absolutamente inocentes", disse o juiz John Paul Stevens no texto sobre o voto da maioria.
"As decisões históricas de hoje representam um forte repúdio ao argumento do governo de que suas ações na guerra ao terrorismo encontram-se fora do alcance da lei e incapazes de serem revistas por cortes americanas", disse Steven Shapiro, representante da organização União Americana pelas Liberdades Civis.
Michael Ratner, do Centro pelos Direitos Constitucionais, grupo que levou o caso de Guantánamo à Suprema Corte, declarou que a decisão representa "uma enorme vitória para o Estado de Direito".
Advogados do grupo afirmaram que pretendem entrar em contato com os prisioneiros da base de Guantánamo ao longo da semana.
Na segunda decisão, a Suprema Corte determinou, por 5 votos a 4, que o Executivo tem a autoridade para manter preso o cidadão americano Yaser Hamdi, preso no Afeganistão e suspeito de ter lutado ao lado do Taleban. Mas, na segunda parte da decisão, por 8 votos a 1, o órgão máximo do Judiciário afirmou que Hamdi pode recorrer à Justiça para questionar a sua prisão.
Apenas o mais conservador entre os membros da Suprema Corte, o juiz Clarence Thomas, concordou inteiramente com os argumentos do governo Bush.
O americano e muitos dos detidos de Guantánamo foram feitos prisioneiros no Afeganistão entre o fim de 2001 e o início de 2002. Têm sido mantidos presos praticamente sem acesso ao mundo exterior.
Hamdi e alguns poucos presos tiveram recentemente autorização para serem representados por advogados, mas nenhum dos prisioneiros pôde receber visitas de familiares.
Num terceiro caso, a corte decidiu apenas sobre um aspecto formal do processo contra o suspeito de terrorismo José Padilla, também cidadão americano, afirmando que ele deveria levar seu caso ao Estado da Carolina do Sul, e não a Nova York, como teriam tentado fazer seus advogados inicialmente. A corte não entrou no mérito de Bush poder ou não mantê-lo preso.
O virtual candidato democrata à Presidência dos EUA, John Kerry, elogiou a decisão da Suprema Corte. "Gostaria que essa administração tivesse feito o que fazia sentido anos atrás e que está de acordo com os valores e o espírito do nosso país", disse.


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