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São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2003

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AMÉRICA LATINA

Segundo comissão, 75% dos 69 mil mortos entre 1980 e 2000 eram indígenas; militares criticam conclusões

Índio foi a maior vítima da guerra peruana

Vera Lentz - 13.nov.1983/France Presse
Camponesa chora durante a exumação de mortos em chacina em Ayacucho, nos Andes peruanos


DA REDAÇÃO

Relatório entregue ontem pela Comissão Verdade e Reconciliação ao presidente do Peru, Alejandro Toledo, revela que os indígenas representam 75% dos mortos e desaparecidos durante duas décadas de guerra interna entre forças do governo e grupos terroristas, principalmente o Sendero Luminoso. A comissão estimou em 69 mil o número de mortos e desaparecidos entre 1980 e 2000.
Cerca de 45% da população do país é indígena, formando o maior grupo étnico-racial peruano. Os mestiços de índios com brancos formam 37%. Brancos representam 15% dos peruanos; outros grupos, 3%.
De acordo com o relatório, resultado de uma investigação que levou cerca de dois anos, o grupo terrorista de ultra-esquerda Sendero Luminoso, de orientação maoísta, é o principal responsável pelo conflito interno. São atribuídas ao grupo 54% das mortes ocorridas no período.
A violência no Peru teve início em maio de 1980, quando o Sendero deu início a uma insurgência, usando o terror para forçar camponeses a ajudar o grupo a derrubar o governo do país.
O Exército, pego de surpresa pelo Sendero, suspeitava que muitos povoados do altiplano peruano apoiassem a guerrilha e respondeu com uma brutal campanha contra comunidades indígenas.
Um dos principais problemas do Exército era a falta de intérpretes de quéchua, a principal língua nativa do país, fazendo com que os índios fossem tratados praticamente como estrangeiros.
"Se o país aprender alguma coisa com essa experiência, deverá ser que a violência não é o problema, e sim a manifestação de questões mais profundas -racismo, discriminação e a existência de cidadãos de segunda classe", disse Nelson Manrique, sociólogo que trabalhou na comissão.
A comissão também afirma que o ex-presidente Alberto Fujimori tem responsabilidade penal em assassinatos, desaparições forçadas e massacres realizados por um esquadrão da morte denominado Colina.
No período, o Peru foi governado por Fernando Belaúnde Terry (1980-1985), Alan García (1985-1990), hoje o principal líder da oposição, e Fujimori (1990-2000).

Reações
Diversos oficiais militares aposentados advertiram ontem que estavam insatisfeitos com os planos da comissão de indicar mais de cem militares supostamente envolvidos em abusos aos direitos civis. Os nomes não foram divulgados no relatório de ontem.
"Ninguém está dizendo que não deveria haver uma investigação, mas estamos pedindo objetividade e que as Forças Armadas não sejam tratadas como genocidas", disse o general aposentado Germán Parra, presidente de uma associação de oficiais aposentados.
"Não me arrependo de nada. Se eu tivesse de usar a mesma estratégia anti-subversiva de novo hoje, faria sem hesitação", disse o general da reserva Clemente Noel, que comandou em 1983 as forças do Exército em Ayacucho, a região mais atingida pelo conflito.
Apesar do descontentamento, analistas acreditam que as Forças Armadas peruanas aceitarão as conclusões da comissão.
Os partidos políticos que estavam no poder durante a guerra interna também criticaram a comissão e questionaram os números divulgados -estimativas anteriores giravam em torno de 20 mil a 40 mil mortos.
"A comissão conseguiu colocar na cadeira dos réus aqueles que venceram a guerra contra o terrorismo", disse o deputado conservador Jose Caballero.
O deputado Jorge del Castillo, do Partido Aprista Peruano (agremiação liderada por Alan García), disse que a projeção estatística deveria ser aceita "com reservas".
Sobre a responsabilidade dos governos da época com mortes e violações aos direitos humanos, Del Castillo admite que isso existiu, mas que se trata de responsabilidade política, e não penal.

Com agências internacionais

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