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São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2003

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ÁFRICA

Temerosas, pessoas deixam casas ao primeiro sinal de novos conflitos entre rebeldes e governo

Abrigo ou comida é dilema da fuga na Libéria

TIM WEINER
DO "NEW YORK TIMES", EM TOTOTA

"Há milhares de nós vindo pela estrada", disse George J. Foday, um professor de inglês que se tornou um refugiado apavorado. "Outros milhares estão atrás."
Foday, 59, contou que, escondido na mata havia duas semanas, viu tudo isso. Na terça-feira, ele andou 30 km desde sua casa numa área rural da Libéria, ouvindo barulhos de tiros e rumores de guerra. Ele ainda pretendia andar 130 km até a capital, Monróvia.
Foday e inúmeros outros na região de Bong, o coração dessa nação sangrenta, são agora cerca de 750 mil -de uma população de 3 milhões- que têm deixado suas casas em razão da guerra. Muitos fugiram várias outras vezes. Então, quando as pessoas escutam tiros, como ocorreu com o professor na terça-feira, elas não esperam a confirmação de que os rebeldes e as forças do governo estão lutando de novo. Elas fogem.
"Se você nunca foi picado por cobra e uma minhoca se aproxima, você corre", disse Roosevelt Dixon, 35, um eletricista de Katata, onde centenas fugiram após rumores de ataques rebeldes.
Entre os que usavam a estrada para Totota estava Esther Davis. Com um bebê no colo, ela caminhava sob a neblina, com oito filhos descalços atrás. No domingo, ela havia ido à uma igreja, 32 km atrás, na cidade de Gbtala, quando ouviu o barulho de artilharia.
Ela não procurou saber quem havia atirado. Isso não importa. "Existia um cessar-fogo", disse Davis, quase chorando. "Por que estão lutando?" Não há paz na área rural da Libéria, depois de 14 anos de conflitos. Nem mais guerra -não exatamente. O Ministério da Defesa, as forças de paz do oeste africano e a Embaixada dos EUA dizem não poder confirmar os rumores de novos combates.
Nenhum novo refugiado disse também ter visto conflitos de verdade nos últimos dias. Mas todos contaram que haviam visto milícias do governo fugindo dos rebeldes. Os dois lados usam o prenúncio da guerra para expulsar as pessoas e roubar o que deixam.
Davis, 35, e suas nove crianças, andando havia 24 horas, encaravam uma escolha difícil. Poderiam se juntar aos 60 mil refugiados acampados entre Totota e a próxima cidade, Salala, ou andar dias até Monróvia e esperar pela paz. Na capital, há comida, mas dificilmente um lugar para ficar. Onde estavam, há lugar para se abrigar, mas dificilmente comida.
Os locais para ficar estão em quatro campos de refugiados, montados desde março. Eles têm água potável, cabanas e enfermarias, mas não recebiam suprimentos de comida desde maio. Os refugiados andavam cinco ou seis horas pela mata para procurar o quê comer e o mesmo para voltar.
Totota abriga o mais distante posto de ajuda internacional na Libéria, representado por um médico, um enfermeiro e uma encarregada, de sandálias, todos da entidade Médicos Sem Fronteiras.
"Há muita subnutrição; 80% das pessoas têm malária", disse a francesa Anabelle Gazet, 30, a encarregada. Um suprimento de comida para duas semanas deveria chegar a Salala na quarta-feira. Se isso ocorresse, seria o mais distante aonde os representantes da ONU iriam desde o início, em junho, do último ciclo de combates.


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