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"EIXO DO MAL"
Pyongyang aposta na ambiguidade e diz que poderá fazer testes nucleares, mas Casa Branca mantém-se inflexível
Coréia admitirá ter a bomba, dizem EUA
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A Coréia do Norte afirmou, na
cúpula sobre seu programa nuclear, que ocorre em Pequim, na
China, que vai reconhecer formalmente que possui armas nucleares e que pretende realizar um teste com essas armas, segundo um
funcionário do governo dos EUA
-que não quis ser identificado.
Ontem, diante de representantes dos EUA, da Rússia, do Japão,
da Coréia do Sul e da China, Kim
Yong-il, vice-chanceler norte-coreano, disse que seu país dispõe
de meios para lançar armas nucleares, aludindo ao já bastante
desenvolvido programa de mísseis da Coréia do Norte.
Paradoxalmente, pouco antes
de o funcionário americano revelar a suposta intenção norte-coreana, a China declarou que a Coréia do Norte tinha concordado
em buscar "livrar a península da
Coréia de armas nucleares" e que
os seis participantes da cúpula se
preparavam para anunciar a realização de mais um encontro multilateral sobre o assunto.
De acordo com analistas ouvidos pela Folha, a ambiguidade
demonstrada por Pyongyang tem
origem na linha tradicional da diplomacia norte-coreana e nas divisões existentes atualmente dentro de sua administração.
"Desde que Bill Clinton aceitou
dialogar com os norte-coreanos,
na década passada, Pyongyang
usa a mesma tática. Faz ameaças
para entrar na próxima etapa das
negociações em melhor posição e,
assim, obter mais vantagens ou
dinheiro em troca das eventuais
concessões que fizer", explicou
William L. Nash, general da reserva do Exército dos EUA e diretor
do Centro para Ação Preventiva
do Council on Foreign Relations.
"Há uma corrente no governo
norte-coreano que parece estar
disposta a fazer concessões para
conseguir um bom acordo. Ela
não parece ser nem dominante
nem marginalizada. O problema é
que a inflexibilidade internacional, sobretudo a do Japão e a dos
EUA, acaba dando força à corrente linha-dura em Pyongyang",
analisou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre
Segurança Internacional (EUA).
Ontem James Kelly, chefe da delegação americana em Pequim,
exigiu que a Coréia do Norte aceite inspeções que comprovem que
o país realmente pretende desmantelar seu programa nuclear.
Este deu origem à crise atual em
outubro passado. Em troca, Kelly
ofereceu dar garantias de segurança a Pyongyang, cuja maior
exigência é assinar um pacto de
não-agressão com os EUA.
Segundo um diplomata que estava na reunião, quando representantes do Japão e da Rússia
tentaram mostrar aspectos positivos da proposta americana, o vice-chanceler norte-coreano os
atacou, dizendo que estavam
mentindo a mando dos EUA.
Kim declarou que não podia
aceitar a proposta de Kelly porque
Washington não tinha a intenção
de atender as exigências de
Pyongyang. O chefe da missão
chinesa teria ficado irritado com a
inflexibilidade do norte-coreano.
Os EUA crêem que a Coréia do
Norte já tenha uma ou duas bombas nucleares e que o país possa
produzir mais cinco em breve. A
grande preocupação de Washington é que o governo norte-coreano decida vender tecnologia ou
armas nucleares, o que poderia
provocar uma corrida armamentista na região. Ademais, terroristas poderiam ter acesso a elas.
Teoricamente, a doutrina de
ataques preventivos da administração de George W. Bush permite que a Coréia do Norte seja tratada como o Iraque por conta da
grande ameaça que representa.
Contudo razões práticas e geopolíticas impedem essa atitude.
"Será tão difícil manter certa estabilidade no Iraque que acho
pouco provável que Washington
decida atacar outros alvos no futuro próximo. Mesmo com seu
poderio militar, os EUA correrão
o risco de exaurir suas fontes diplomáticas e militares se começarem a estender seus esforços bélicos a outras partes do mundo",
avaliou Charles Tilly, professor na
Universidade Columbia (EUA).
"Ademais, Pyongyang poderia
provocar estragos irreparáveis na
Coréia do Sul e até no Japão, que
são aliados dos EUA, se decidisse
atacá-los. Isso também preocupa
os americanos", acrescentou.
Washington classificou de "positivas" as negociações de ontem,
ressaltando que a ameaça norte-coreana de fazer testes nucleares
em breve faz parte do modo como
funciona a diplomacia do país. A
Casa Branca declarou que Pyongyang tem uma "longa história de
comentários provocadores."
Com agências internacionais
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