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São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2003

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"EIXO DO MAL"

Pyongyang aposta na ambiguidade e diz que poderá fazer testes nucleares, mas Casa Branca mantém-se inflexível

Coréia admitirá ter a bomba, dizem EUA

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A Coréia do Norte afirmou, na cúpula sobre seu programa nuclear, que ocorre em Pequim, na China, que vai reconhecer formalmente que possui armas nucleares e que pretende realizar um teste com essas armas, segundo um funcionário do governo dos EUA -que não quis ser identificado.
Ontem, diante de representantes dos EUA, da Rússia, do Japão, da Coréia do Sul e da China, Kim Yong-il, vice-chanceler norte-coreano, disse que seu país dispõe de meios para lançar armas nucleares, aludindo ao já bastante desenvolvido programa de mísseis da Coréia do Norte.
Paradoxalmente, pouco antes de o funcionário americano revelar a suposta intenção norte-coreana, a China declarou que a Coréia do Norte tinha concordado em buscar "livrar a península da Coréia de armas nucleares" e que os seis participantes da cúpula se preparavam para anunciar a realização de mais um encontro multilateral sobre o assunto.
De acordo com analistas ouvidos pela Folha, a ambiguidade demonstrada por Pyongyang tem origem na linha tradicional da diplomacia norte-coreana e nas divisões existentes atualmente dentro de sua administração.
"Desde que Bill Clinton aceitou dialogar com os norte-coreanos, na década passada, Pyongyang usa a mesma tática. Faz ameaças para entrar na próxima etapa das negociações em melhor posição e, assim, obter mais vantagens ou dinheiro em troca das eventuais concessões que fizer", explicou William L. Nash, general da reserva do Exército dos EUA e diretor do Centro para Ação Preventiva do Council on Foreign Relations.
"Há uma corrente no governo norte-coreano que parece estar disposta a fazer concessões para conseguir um bom acordo. Ela não parece ser nem dominante nem marginalizada. O problema é que a inflexibilidade internacional, sobretudo a do Japão e a dos EUA, acaba dando força à corrente linha-dura em Pyongyang", analisou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (EUA).
Ontem James Kelly, chefe da delegação americana em Pequim, exigiu que a Coréia do Norte aceite inspeções que comprovem que o país realmente pretende desmantelar seu programa nuclear. Este deu origem à crise atual em outubro passado. Em troca, Kelly ofereceu dar garantias de segurança a Pyongyang, cuja maior exigência é assinar um pacto de não-agressão com os EUA.
Segundo um diplomata que estava na reunião, quando representantes do Japão e da Rússia tentaram mostrar aspectos positivos da proposta americana, o vice-chanceler norte-coreano os atacou, dizendo que estavam mentindo a mando dos EUA.
Kim declarou que não podia aceitar a proposta de Kelly porque Washington não tinha a intenção de atender as exigências de Pyongyang. O chefe da missão chinesa teria ficado irritado com a inflexibilidade do norte-coreano.
Os EUA crêem que a Coréia do Norte já tenha uma ou duas bombas nucleares e que o país possa produzir mais cinco em breve. A grande preocupação de Washington é que o governo norte-coreano decida vender tecnologia ou armas nucleares, o que poderia provocar uma corrida armamentista na região. Ademais, terroristas poderiam ter acesso a elas.
Teoricamente, a doutrina de ataques preventivos da administração de George W. Bush permite que a Coréia do Norte seja tratada como o Iraque por conta da grande ameaça que representa. Contudo razões práticas e geopolíticas impedem essa atitude.
"Será tão difícil manter certa estabilidade no Iraque que acho pouco provável que Washington decida atacar outros alvos no futuro próximo. Mesmo com seu poderio militar, os EUA correrão o risco de exaurir suas fontes diplomáticas e militares se começarem a estender seus esforços bélicos a outras partes do mundo", avaliou Charles Tilly, professor na Universidade Columbia (EUA).
"Ademais, Pyongyang poderia provocar estragos irreparáveis na Coréia do Sul e até no Japão, que são aliados dos EUA, se decidisse atacá-los. Isso também preocupa os americanos", acrescentou.
Washington classificou de "positivas" as negociações de ontem, ressaltando que a ameaça norte-coreana de fazer testes nucleares em breve faz parte do modo como funciona a diplomacia do país. A Casa Branca declarou que Pyongyang tem uma "longa história de comentários provocadores."


Com agências internacionais


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