São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2000

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CRISE NA IUGOSLÁVIA
Ex-aliada de Milosevic exorta Kostunica a assumir o poder "da forma mais pacífica e digna" possível
Igreja da Sérvia vê opositor como "eleito"

Reuters - 27.09.00
Iugoslavo faz sinal, com a mão, que simboliza a Igreja Ortodoxa da Sérvia, ao lado de foto de Kostunica, durante ato em Belgrado


DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

A Igreja Ortodoxa da Sérvia reconheceu ontem o candidato opositor a presidente da Iugoslávia Vojislav Kostunica como o presidente eleito do país, exortando-o a assumir o poder "da forma mais pacífica e digna" possível.
"O Santo Sínodo pede que Vojislav Kostunica e todos os que se elegeram com ele assumam o controle do Estado, do Parlamento e das prefeituras, de forma pacífica e digna", disse a igreja, num ato de apoio a Kostunica em sua batalha política contra o presidente Slobodan Milosevic.
Ao menos 65% da população iugoslava é cristã ortodoxa, e a igreja costumava apoiar Milosevic, há mais de dez anos no poder.
O comunicado foi dirigido a "Vojislav Kostunica, presidente eleito da Iugoslávia".
A União Européia (UE) pediu ontem que os resultados das eleições sejam "verificados", em apoio à reivindicação da coligação ODS (Oposição Democrática Sérvia, formada por 18 pequenos e médios partidos de oposição), que apoiou Kostunica e considerou como "evidente fraude" e "logro político" o resultado anunciado pela comissão de apuração.
Segundo a UE, "a partir de agora, Kostunica representa uma nova Iugoslávia".
De acordo com a comissão eleitoral iugoslava, Kostunica venceu o primeiro turno com 48,96% dos votos, contra 38,62% do presidente Slobodan Milosevic. Segundo contagem da oposição, ele teria vencido já no primeiro turno, com mais de 50% dos votos.
O segundo turno está previsto para o dia 8 de outubro.

Desobediência civil
Líderes da oposição exortaram os iugoslavos a promover uma greve geral e atos de desobediência civil, de forma pacífica, contra Milosevic.
"Queremos que as pessoas vão às ruas e não saiam de lá até ele deixar o poder", afirmou Zoran Djindjic, um dos líderes da oposição e coordenador da aliança que apóia o principal adversário do presidente iugoslavo, Kostunica.
Os EUA declararam ontem que vão suspender as sanções contra o país, impostas devido à Guerra de Kosovo (1999), caso Milosevic deixe o governo.
"Dizemos em termos inequívocos que, quando houver um governo democrático, as sanções serão suspensas", afirmou o presidente Bill Clinton. "Houve uma eleição, e é claro que os eleitores preferiram a oposição."
Clinton disse que a oposição apresentou "documentos muito convincentes de sua vitória e da vitória de Kostunica".
Joe Lockhart, porta-voz da Casa Branca, afirmou que o Ocidente não precisa dar um "empurrão" para a renovação política na Iugoslávia por causa da força oposicionista.
Anteontem, mais de 200 mil pessoas foram ao centro de Belgrado para comemorar a "vitória" de Kostunica, numa das maiores manifestações anti-Milosevic, superando os protestos de 1996 e 1997, quando o líder iugoslavo só admitiu a derrota em eleições que deram o controle de Belgrado à oposição após mais de três meses de protestos na capital e em outras cidades grandes.
Em Novi Sad (noroeste do país), cerca de 50 mil pessoas se manifestaram. Houve atos semelhantes em diversas cidades iugoslavas.

"Assunto interno"
A Rússia anunciou ontem que se manterá "neutra" na crise pós-eleições na Iugoslávia e pediu que o Ocidente adotasse a mesma posição. Moscou "não exercerá pressão" sobre nenhum grupo, disse o chanceler russo, Igor Ivanov. "É um assunto interno da Iugoslávia."
O premiê de Montenegro, Filip Vujanovic, também reconheceu Kostunica como presidente eleito, "por ter obtido a maioria dos votos na Sérvia e em Montenegro".
A República de Montenegro, cujo governo é aliado dos países do Ocidente, compõe, com a Sérvia, a Iugoslávia.
A maior parte de Montenegro, que manifestou a intenção de tornar-se independente da Iugoslávia, boicotou as eleições do último domingo.
O presidente Milo Djukanovic, disse que a convocação de um segundo turno representa uma manobra de Milosevic para "manipular a vontade eleitoral da população".

Na TV
Milosevic apareceu na TV ontem pela primeira vez desde domingo, num sinal de desafio à reivindicação ocidental para que deixe o poder.
Em entrevista a uma rádio de Belgrado, Borislav, irmão de Milosevic e embaixador da Iugoslávia na Rússia, negou que o presidente tivesse ido para Moscou. Ele também rejeitou acusações de interferência na contagem de votos por parte do governo.


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