São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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ELEIÇÃO NOS EUA
Presidente decide "sair da sombra" e partir em viagem pelo país para ajudar seu vice na disputa de 7 de novembro
Clinton vai entrar na campanha de Gore

Reuters - 23.out.2000
O presidente Bill Clinton durante evento em Nova York (leste)


MARY DEJEVSKY
DO "THE INDEPENDENT", EM WASHINGTON

Finalmente vão tirar a coleira do "cachorrão", como o chamam. A partir de amanhã, o presidente Bill Clinton passará todos os dias fazendo campanha, ajudando seu atribulado vice, Al Gore, com seu carisma e suas habilidades táticas. É possível que nem sequer retorne a Washington até tudo estar terminado, em 8 de novembro, um dia depois da eleição.
O fato de Clinton partir em campanha para Gore é uma vitória para ele e para os líderes democratas estaduais, que vinham pressionando -com insistência, beirando o desespero- que o presidente fosse autorizado a fazê-lo.
Com Gore ainda pairando um ou dois pontos percentuais atrás do republicano George W. Bush nas pesquisas (empate técnico, em razão das margens de erro) e o tempo se esgotando para qualquer grande avanço, eles não entendiam por que o vice-presidente não estava colocando em ação a única pessoa que, acreditam, será capaz de exercer efeito decisivo sobre a eleição.
Em todos os lugares onde Gore fez campanha na semana passada, muitos democratas convictos foram ouvidos dizendo: "Coloquem o homem em ação! Por que ele está demorando tanto?". O chamado mais urgente e de mais alto nível foi lançado pelo governador da Califórnia, Gray Davis, que teria telefonado pessoalmente para Clinton e pedido diretamente que começasse a atuar na campanha.
Como parte da viagem que fará pelo país na próxima semana, Clinton vai passar dois dias inteiros tentando fortalecer o apoio a Gore na Califórnia. Esse Estado, com seus 54 votos no colégio eleitoral, ainda é visto como seguro para o vice-presidente, mas sua vantagem nas sondagens vem caindo nitidamente nas últimas duas semanas: um avanço de mais de dez pontos percentuais se reduziu para algo entre cinco e sete pontos percentuais, que por pouco não se enquadra na margem de erro das sondagens. Um alto assessor de Gore no Estado chegou a acusar o vice de dá-lo como garantido e avisou que, se não mudar sua estratégia, Gore corre o risco de perdê-lo.
A Casa Branca não quis dizer se Gore chegou a pedir a ajuda de Clinton nem se a aprovou. Mas, num indício de que, pelo menos, está aceitando o apoio do presidente de bom grado, Gore se referiu, na última sexta-feira, a Bill Clinton pelo nome durante um discurso de campanha feito na Virgínia Ocidental, dando crédito ao presidente pelas conquistas de seus dois mandatos presidenciais.
Durante toda a sua campanha, mas especialmente desde a convenção partidária, Gore tem constantemente evitado mencionar Clinton pelo nome, referindo-se a ele como "o presidente" ou falando simplesmente da "administração Clinton-Gore". Mais frequentemente, porém, tem excluído por completo de seus discursos sua associação com a administração. Na convenção disse: "Estou aqui hoje em meu próprio nome", isto é, que faz campanha com base em seus planos para o futuro, não em seu histórico.
Dando boas-vindas cautelosas ao envolvimento de Clinton, o porta-voz de Gore, Chris Lehane, disse que o presidente fará campanha não apenas para o vice, mas para todos os candidatos do partido. "Ele estará lá pelos democratas. Vamos ficar felizes de vê-lo ali", disse Lehane, ao mesmo tempo reiterando que Gore "é um candidato que fala em seu próprio nome, com sua própria pauta de prioridades e com sua própria voz".
Excetuando os dois dias que passará na Califórnia -quinta e sexta desta semana-, o roteiro exato da viagem de Clinton pelo país ainda não está pronto. Mas espera-se que inclua alguns dos Estados marginais previstos -e menos previstos- do Meio-Oeste e do sul do país, incluindo seu Estado natal, o Arkansas.
O Estado no qual Clinton cumpriu seis mandatos como governador e já planeja erguer sua biblioteca presidencial pode ser a primeira ou segunda parada em sua turnê.
Outro dos primeiros destinos será Louisville, em Kentucky, cidade que nutre imensa simpatia por Clinton e que foi escolhida pela Casa Branca para ser o destino de sua primeira viagem para fora de Washington após sua confissão no tumultuado caso Monica Lewinsky. Embora sejam Estados pequenos, tendo juntos apenas 14 votos no colégio eleitoral, tanto Arkansas quanto Kentucky podem ser críticos, se a corrida presidencial continuar tão apertada quanto as sondagens atuais indicam que está.
A resistência a recorrer a Clinton veio principalmente de dois setores. Veio de pessoas do grupo de Gore, que temem que seu candidato seja relegado à sombra e seus pontos fracos, ainda evidentes, amplificados pelo talento natural do mestre de campanhas.
Pelo simples fato de aparecer, argumentou-se, Clinton fará os eleitores lembrarem que o presidente que está deixando o cargo possui tanto cérebro quanto charme -qualidades divididas entre os dois atuais candidatos a sua sucessão.
Consta que alguns consultores do Partido Democrata também teriam recomendado cautela depois que pesquisas feitas em alguns Estados menores aparentemente revelaram que a conduta pessoal pouco ortodoxa de Clinton pode pesar mais junto aos eleitores ainda indecisos do que suas realizações.
Mas não é esse o caso na Califórnia, onde Clinton é visto como a única pessoa que pode aumentar a votação de Gore.
A equipe de Bush descreveu a saída de Clinton em campanha como "iniciativa movida pelo desespero de Gore" e indicou que não hesitará em explorar o histórico de defeitos e falhas pessoais de Clinton nos últimos e frenéticos dias da campanha.
O próprio Bush, porém, que em momentos anteriores já se referiu à "sombra" que paira sobre a campanha de Gore, teria interpretado as notícias vindas da Casa Branca como virtual declaração de guerra: Bush versus Clinton mais uma vez, com a doce perspectiva de um filho vir a vingar a derrota sofrida por seu pai.


Tradução de Clara Allain


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