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Nova geração de Timor não fala português
DO ENVIADO ESPECIAL
Gil Horácio Boavida, 23, nasceu
em Timor após 1975 -é, portanto, indonésio. Não fala português.
Comunicamo-nos em inglês.
No referendo sobre a independência, em 1999, ele era estudante
em Java, Indonésia. Com a independência, perdeu o passaporte e
voltou para Timor, sem universidade e sem trabalho.
Unhas compridas de guitarrista,
anéis nas mãos e nos pés, tatuagem no peito, Gil é "fashion". Pergunto-lhe se é a favor da independência. Diz que sim -acrescenta
que "o Exército indonésio é ruim,
mas os indonésios são legais".
A Indonésia é sua maior referência cultural. Em Timor, ele não
tem como estudar. Gostaria de
trabalhar na Untaet (administração da ONU). Lembro que a Untaet um dia irá embora. Ele diz
que é o que ele quer: ir embora.
Gil me acompanha na viagem
de carro a Laleia (a cerca de 80 km
de Dili), "pelo prazer de falar inglês". Em Manatuto (a cerca de 60
km de Dili), paro para ler um grafite da resistência contra a Indonésia. Ele não entende o texto,
mas sabe que é em português, língua com a qual ele aparentemente
não compartilha muita coisa.
A escrita em Timor é um divisor
social (o analfabetismo está acima
de 50%). E a língua é um divisor
entre gerações. Gil fala o tetum
(como quase todos os timorenses
do leste), foi escolarizado em bahasa indonésio e aprendeu inglês.
O tetum é uma língua oral que
começou a ser transcrita pela
Igreja Católica quando quis oficiar na língua vernacular. Uma segunda língua oficial, com tradição
escrita, era necessária. Xanana
Gusmão, líder da independência,
decidiu que seria o português.
É fácil entender a razão. Durante a dominação indonésia, o português foi um símbolo. O major
da PM fluminense Lima Castro,
membro da Civipol (a polícia civil
da ONU), conta que, um dia, um
colega lhe pediu que verificasse se
um candidato a policial falava
português. O major teve de insistir para que o homem falasse a língua de Camões: "Há 25 anos que
sou proibido de falar português",
disse ele. Passou no teste.
A anedota comove os hoje cinquentões que cresceram em Timor, colônia portuguesa, e, durante a ocupação indonésia, se
exilaram ou lutaram na guerrilha.
A geração seguinte compartilha
a paixão política dos mais velhos,
mas, além do português, já fala inglês. Abé Barreto, 34, falou português até os 10. Depois de 1975,
continuou sua educação em bahasa indonésio e foi estudar em
Java. Foi escolhido para um intercâmbio no Canadá -onde morava, em 1991, quando soube do
massacre no cemitério de Santa
Cruz, marco na luta independentista, e decidiu ficar na América.
Mais tarde, foi para Portugal.
Voltou a Timor este ano, convidado a trabalhar com a porta-voz da
Untaet. Além de suas tarefas jornalísticas, ele procura as tímidas
manifestações de uma literatura
timorense -seja em tetum, bahasa, português ou inglês-, que ele
considera crucial para o futuro.
Ele me levou para conhecer a Casa
Xanana Gusmão, talvez o núcleo
de uma futura biblioteca. Lá, encontrei de novo Gil Horácio Boavida. Pensei que ele tivesse se convertido à causa da independência
e ao português. Nada disso: estava
lá para assistir à MTV na única televisão pública de Dili. Na despedida, cantou "Aquarela do Brasil"
e perguntou (em inglês): "Posso ir
ao Brasil com você?"
Gil é um exemplo da geração
que nasceu e chegou à maturidade no Timor indonésio. E os mais
jovens ainda? Num restaurante de
Dili, foi programada a projeção de
um documentário sobre as milícias locais. Havia cerca de 15 pessoas -nenhum timorense, salvo
duas meninas de 15 anos que se
divertiam cantando rock e blues.
Repetiram várias vezes "Mississipi Rolling On". A globalização
cultural é tão inevitável quanto o
correr do rio do qual fala a música. Antes de serem interrompidas
pela projeção (a que não assistiram), elas lançaram um dueto, em
inglês: "Acordo de manhã e grito
até estourar os pulmões: o que está acontecendo?". Foi o que me
perguntei também.
(CC)
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