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O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO
Apesar da falta de infra-estrutura básica, quatro missionárias buscam alfabetizar e cuidar da saúde em vilarejos timorenses
Brasileiras atuam sem água encanada e luz
DO ENVIADO ESPECIAL
Laleia é um vilarejo entre Dili e
Baucau, na costa norte de Timor.
Fui até lá para encontrar "as irmãs
brasileiras". Foi assim que me falaram delas, em São Paulo, em
Sydney e em Dili. São três religiosas -Maria Beatriz Mohr, Terezinha Kunen e Lourdes Borelli- e
uma laica -Ana Maria Pinheiro.
Chegaram há cinco meses, enviadas pela Igreja Católica do Brasil, e decidiram trabalhar juntas
por algum tempo, familiarizando-se com Timor e aprendendo o
tetum, antes de se espalhar pelo
território.
As condições são duras: não há
água encanada e luz elétrica (não
há sequer um gerador funcionando). As comunicações são quase
impossíveis: não há telefonia, fixa
ou móvel, nem correio.
A correspondência só pode chegar pelas agências que têm canais
próprios: a ONU, a embaixada ou
o bispado. O abastecimento básico (como alimentos e produtos de
limpeza) é precário. No começo
de outubro, a missão recebeu um
carro para poder atingir comunidades e casas isoladas e também
para que as irmãs possam, às vezes, se abastecer na capital.
A missão das irmãs não é catequizar as populações: os timorenses são fiéis e devotos. Beijam a
mão de padres e madres e abarrotam as igrejas nas festas.
Essa religiosidade sincera e formalmente estrita impede que as
irmãs possam desfrutar a única
diversão que Laleia poderia oferecer: o banho de mar. A população
nunca aceitaria as missionárias de
maiô na água.
Elas visitam vilas identificando
casos que precisem de assistência
médica. Monitoram a administração de remédios e o progresso
das curas e das doenças. Ensinam
higiene e prevenção. Alfabetizam
e ensinam: em poucos meses, elas
montaram duas salas de aula em
Laleia.
Junto com saúde básica e educação, elas trazem o que talvez seja
ainda mais importante: a mensagem de que alguém se importa e
veio ajudar. Levei para as irmãs
cartas e mensagens. Trouxe de
volta um recado. Manuel Ximenes, timorense, presenciou minha
chegada e minha conversa com
elas. No fim, me pediu solenemente que levasse de volta um
agradecimento ao povo do Brasil,
por ter mandado as irmãs.
Mas elas não são a única presença do Brasil em Timor.
A embaixada será efetiva quando Timor passar a existir como
país independente, em 2002. Mas,
pelo escritório já aberto, com o
embaixador Kiwal de Oliveira, o
governo brasileiro está organizando um projeto do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) para formar técnicos
profissionais, um trabalho de alfabetização e uma campanha de
vacinação contra a poliomielite.
Além disso, o cargo de representante especial do secretário-geral da ONU, que é, de fato, o governador de Timor até as eleições,
é ocupado por um brasileiro, Sérgio Vieira de Mello. Ele é particularmente apreciado por promover a integração de timorenses no
governo provisório. São hoje cinco ministros timorenses e quatro
internacionais.
Há 13 policiais (que integram a
Civipol -a polícia civil da ONU)
e 12 observadores militares brasileiros.
E também os homens do 2º Batalhão da Polícia do Exército, de
Osasco (Grande São Paulo). São
69, com um capitão-médico que
-a saúde da tropa sendo boa, como ele relatou- atende sobretudo a população local. São divididos em dois destacamentos: um
pelotão de 19 homens, junto com
um regimento australiano, guarda a fronteira com Timor Oeste
(Indonésia). Os outros, em Dili,
escoltam comboios e, sobretudo,
garantem a segurança pessoal das
lideranças timorenses, em particular a de Xanana Gusmão e José
Ramos-Horta, líderes da independência, a pedido dos próprios.
Os soldados brasileiros são eficientes e perfeitamente treinados
para a tarefa. Mas o que os torna
especiais para os timorenses? O
que leva as autoridades a preferi-los? Não é só uma facilidade linguística (que os portugueses também ofereceriam). Para encontrar
uma resposta, observei os policiais e os soldados brasileiros e
tentei entender o segredo de sua
popularidade.
Ao encontrar uma criança nas
ruas de Dili, os brasileiros são os
únicos que, em vez do tradicional
e sinistro "hello, mister!", ganham
um "Brasil!" e as primeiras notas
de "Aquarela do Brasil".
O fato é que todos lidam com a
pobreza e o eventual desamparo
com a naturalidade de quem já
conhece essas pragas e sabe perceber, atrás delas, a cara de uma
humanidade parecida com a nossa.
Talvez por isso o Brasil tenha
destaque no coração dos timorenses. E seja, por uma vez, motivo de
orgulho.
(CONTARDO CALLIGARIS)
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