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IRAQUE OCUPADO
Sigilo foi imposto a jornalistas na comitiva de Bush a Bagdá
Viagem atiça debate sobre a ação da mídia
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O fato de um grupo de 13 jornalistas ter embarcado anteontem
com o presidente George W. Bush
na secretíssima viagem a Bagdá
reavivou a discussão sobre as relações da mídia americana com a
política iraquiana da Casa Branca.
A viagem foi no mínimo "inabitual", disse à Folha Chris Chinlund, a ombudsman do jornal
"Boston Globe". Ela também considerou "insólita" a presença dos
repórteres no Air Force One, o
avião presidencial.
Jane Kirtley, professora de ética
e legislação da mídia na Universidade de Minnesota, disse "deplorar a desinformação". "Uma coisa
é o governo não revelar seus segredos. Outra coisa é desinformar
o público com a versão de que
Bush passaria o Dia de Ação de
Graças em família, no Texas,
quando já estava a caminho do
Iraque". Ela ressalva, no entanto,
que em termos de opinião pública
só haveria um verdadeiro escândalo caso Bush tivesse afastado os
jornalistas da cobertura de sua
passagem por Bagdá.
Viajaram com o presidente uma
equipe da Fox News, TV que
apoiou a ação no Iraque, um repórter do "Washington Post" e
das agências Bloomberg, Associated Press e Reuters. Embarcaram
também equipes das revistas "Time" e "Newsweek".
O grupo, segundo a Casa Branca, seria o que acompanharia o
presidente nesta viagem, qualquer que fosse o destino. Ficaram
fora da escala o "New York Times", a CNN e as grandes redes
norte-americanas de televisão,
como a ABC, a NBC e a CBS.
Os jornalistas foram contatados
na quarta-feira e instruídos a não
revelar sequer a seus chefes que
estavam embarcando. O repórter
do "Washington Post" seguiu a
instrução à risca. O da Fox News
contou apenas a seu diretor.
Durante a viagem e na permanência em Bagdá, os celulares dos
jornalistas tiveram suas baterias
retiradas. Eles só puderam transmitir os primeiros boletins quando o Air Force One já decolara de
volta aos Estados Unidos.
Robert H. Giles, curador do
programa de jornalismo da Fundação Nieman, da Universidade
Harvard, disse à Folha que a palavra "cumplicidade" seria muito
pesada para qualificar a relação
dos jornalistas com a Presidência.
O sigilo era uma garantia à segurança de todos em Bagdá.
Existe, no entanto, uma excepcionalidade que vem dos preparativos da Guerra no Iraque. A oposição democrata, diz Giles, não
exerceu com competência seu papel. Bush e os republicanos partiram para a guerra com o apoio do
Congresso. Com isso, a mídia ficou sem legitimidade ou fontes
para interpelar em termos políticos a necessidade do conflito.
Geneva Overholser, ex-jornalista do "New York Times", ex-ombudsman do "Washington Post"
hoje professora da Universidade
de Missouri, qualifica de "pouco
adequado" o comportamento da
mídia na Guerra do Iraque.
Dois exemplos: os jornalistas
não pressionaram o governo a
dar provas mais consistentes de
que Saddam possuía armas de
destruição em massa -elas não
foram encontradas- ou de que o
então ditador tinha vínculos com
Osama Bin Laden e a Al Qaeda.
A exemplo de Giles, ela diz não
acreditar ter ocorrido agora uma
relação de cumplicidade. "Além
de questões de segurança, o presidente queria fazer uma surpresa
aos soldados e achou que sua chegada a Bagdá não deveria vazar."
Ela afirma que o episódio não a
incomoda tanto quanto outros
segredos normalmente mantidos
pela Casa Branca.
O problema foi também previsivelmente discutido ontem pelos
próprios interessados da mídia
norte-americana. No "Washington Post", Howard Kurtz, colunista de mídia, entrevistou diretores de redação e acadêmicos e publicou texto intitulado "Alguns
compreendem a viagem sigilosa,
outros temem que seja um mau
precedente".
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