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São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

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IRAQUE OCUPADO

Sigilo foi imposto a jornalistas na comitiva de Bush a Bagdá

Viagem atiça debate sobre a ação da mídia

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O fato de um grupo de 13 jornalistas ter embarcado anteontem com o presidente George W. Bush na secretíssima viagem a Bagdá reavivou a discussão sobre as relações da mídia americana com a política iraquiana da Casa Branca.
A viagem foi no mínimo "inabitual", disse à Folha Chris Chinlund, a ombudsman do jornal "Boston Globe". Ela também considerou "insólita" a presença dos repórteres no Air Force One, o avião presidencial.
Jane Kirtley, professora de ética e legislação da mídia na Universidade de Minnesota, disse "deplorar a desinformação". "Uma coisa é o governo não revelar seus segredos. Outra coisa é desinformar o público com a versão de que Bush passaria o Dia de Ação de Graças em família, no Texas, quando já estava a caminho do Iraque". Ela ressalva, no entanto, que em termos de opinião pública só haveria um verdadeiro escândalo caso Bush tivesse afastado os jornalistas da cobertura de sua passagem por Bagdá.
Viajaram com o presidente uma equipe da Fox News, TV que apoiou a ação no Iraque, um repórter do "Washington Post" e das agências Bloomberg, Associated Press e Reuters. Embarcaram também equipes das revistas "Time" e "Newsweek".
O grupo, segundo a Casa Branca, seria o que acompanharia o presidente nesta viagem, qualquer que fosse o destino. Ficaram fora da escala o "New York Times", a CNN e as grandes redes norte-americanas de televisão, como a ABC, a NBC e a CBS.
Os jornalistas foram contatados na quarta-feira e instruídos a não revelar sequer a seus chefes que estavam embarcando. O repórter do "Washington Post" seguiu a instrução à risca. O da Fox News contou apenas a seu diretor.
Durante a viagem e na permanência em Bagdá, os celulares dos jornalistas tiveram suas baterias retiradas. Eles só puderam transmitir os primeiros boletins quando o Air Force One já decolara de volta aos Estados Unidos.
Robert H. Giles, curador do programa de jornalismo da Fundação Nieman, da Universidade Harvard, disse à Folha que a palavra "cumplicidade" seria muito pesada para qualificar a relação dos jornalistas com a Presidência. O sigilo era uma garantia à segurança de todos em Bagdá.
Existe, no entanto, uma excepcionalidade que vem dos preparativos da Guerra no Iraque. A oposição democrata, diz Giles, não exerceu com competência seu papel. Bush e os republicanos partiram para a guerra com o apoio do Congresso. Com isso, a mídia ficou sem legitimidade ou fontes para interpelar em termos políticos a necessidade do conflito.
Geneva Overholser, ex-jornalista do "New York Times", ex-ombudsman do "Washington Post" hoje professora da Universidade de Missouri, qualifica de "pouco adequado" o comportamento da mídia na Guerra do Iraque.
Dois exemplos: os jornalistas não pressionaram o governo a dar provas mais consistentes de que Saddam possuía armas de destruição em massa -elas não foram encontradas- ou de que o então ditador tinha vínculos com Osama Bin Laden e a Al Qaeda.
A exemplo de Giles, ela diz não acreditar ter ocorrido agora uma relação de cumplicidade. "Além de questões de segurança, o presidente queria fazer uma surpresa aos soldados e achou que sua chegada a Bagdá não deveria vazar." Ela afirma que o episódio não a incomoda tanto quanto outros segredos normalmente mantidos pela Casa Branca.
O problema foi também previsivelmente discutido ontem pelos próprios interessados da mídia norte-americana. No "Washington Post", Howard Kurtz, colunista de mídia, entrevistou diretores de redação e acadêmicos e publicou texto intitulado "Alguns compreendem a viagem sigilosa, outros temem que seja um mau precedente".


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