São Paulo, terça, 29 de dezembro de 1998

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NATAL SOB AMEAÇA
Núncio católico pede fim do embargo ao Iraque

FERRAN SALES
do "El País", em Bagdá

O alarme voltou a tocar na véspera de Natal em Bagdá. O sinal, avisando a população de um iminente bombardeio, era ouvido perfeitamente nas ruas e nos bairros da cidade. Mas era imperceptível no interior da catedral de São José, encoberto pelas centenas de fiéis que participavam da Missa do Galo.
"Podem ir em paz", convidou o núncio Giuseppe de Lazaroto. Os fiéis abandonaram a igreja com absoluta tranquilidade, sem saber que, do lado de fora, havia uma ameaça de bombardeio.
"Ufa! Foi um alarme falso!", disseram esses cristãos minutos mais tarde, quando, em casa, puderam ouvir a sirene que anunciava o fim do alerta.
A véspera de Natal foi marcada por esse incidente e pelo comunicado de De Lazaroto, que pediu à comunidade internacional que se solidarizasse com o Iraque e que ajudasse a buscar o "caminho da paz e do diálogo", pondo fim ao embargo de oito anos que "atinge um povo inteiro".
A mensagem de paz de De Lazaroto, representante de uma comunidade cristã de 500 mil pessoas, dificilmente chegará à comunidade internacional. Toda a população -cristã e muçulmana- está mergulhada no desespero, na miséria e no medo.
Os iraquianos sofrem um embargo, imposto após a invasão do Kuait (90), que três membros do Conselho de Segurança da ONU -China, Rússia e França- querem atenuar, em troca de alguma concessão iraquiana, enquanto os EUA e o Reino Unido pretendem mantê-lo.
O jornal "Babel", dirigido por Udai, filho de Saddam Hussein, disse que os iraquianos continuam "tratando as feridas, após a agressão imperialista e sionista, e só aceitarão a suspensão do embargo". Bagdá não espera nada de Pequim, Moscou ou Paris.
Ahmed, 32, internado no hospital Iarmuk, não ouviu o comunicado de De Lazaroto. Operário, pai de três filhos, foi atingido nas pernas durante os ataques norte-americano e britânico deste mês.
"Estava conversando com uns amigos, tranquilamente, na rua. Vimos uma enorme bola de fogo vindo em nossa direção. Houve um grande estrondo e fui lançado para cima. Quando voltei ao chão, notei que minhas pernas não me sustentavam."
Uma lei de silêncio, que proíbe explicar aos estrangeiros qualquer incidente relacionado a essa guerra, parece ter sido ditada. Assim, Ahmed é uma vítima real de um ataque "inexistente".
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Tradução de Paulo Daniel Farah



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