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São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003

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COMENTÁRIO

Bush convence na guerra, mas não na economia

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

No plano internacional, o discurso de George W. Bush permite uma dupla interpretação: primeiro, ao marcar a data em que os EUA revelarão suas supostas provas de que Saddam Hussein mantém programas de armas de destruição em massa (5 de fevereiro), jogou a carta do multilateralismo, buscando acalmar seus aliados; segundo, ao dizer que "o percurso que os EUA seguem não pode depender de outras nações", mostrou que sua intenção de depor o ditador iraquiano se concretizará com ou sem a anuência da ONU.
Todavia o público-alvo de Bush era mais o eleitorado americano que a comunidade internacional. Assim, dividiu sua intervenção quase equitativamente entre a situação econômica atual dos EUA e sua política externa, sobretudo tentando convencer sua audiência da necessidade de desarmar o Iraque. Ele obteve sucesso, de acordo com analistas ouvidos pela Folha, na segunda parte, contudo suas propostas econômicas não foram muito convincentes.
Quanto ao Iraque, o presidente fez uso de uma retórica até então pouco utilizada, explicitando detalhes das atrocidades cometidas pelo regime de Saddam contra a própria população iraquiana.
"A parte mais forte do discurso foi a descrição da crueldade de Saddam contra seu povo. Evocando-as, Bush buscou falar ao lado humanitário dos americanos. Há tempo, a América se vê como defensora de princípios que considera universais, como os direitos humanos", analisou Diana Owen, da Universidade de Georgetown (EUA). A estratégia funcionou: pesquisa apontou que 67% dos americanos se dizem convencidos da necessidade de atacar Bagdá (eram 47% anteriormente).
"Houve certo messianismo até quando Bush explicou que baixas são inevitáveis. Ele disse que "nenhuma guerra está livre da tristeza", indicando que valores superiores devem guiar suas ações, não o medo de reveses. Ligar Saddam à Al Qaeda segue a mesma lógica", explicou Eric Fassin, da Escola Normal Superior (Paris).
No plano doméstico, todavia, o presidente foi menos convincente. Sua preocupação com a deterioração da conjuntura econômica dos EUA é compreensível, pois a economia foi o calcanhar-de-aquiles de seu pai, o ex-presidente George Bush (1989-1993). Porém, na verdade, Bush apresentou, anteontem, uma carta de intenções, não projetos concretos.
"A parte mais fraca do discurso foi a da política doméstica. Por exemplo, vários governadores já afirmaram que o que ele disse sobre o programa de inserção de crianças no sistema educacional é fantasioso. Os Estados irão à falência se o fizerem. E sua gestão tem sido caótica. O adiantamento do corte de impostos para este ano também é impraticável, já que depende da aprovação do Congresso", apontou Owen.
"Será impossível cortar impostos, equilibrar o Orçamento e manter a política externa. Bush teve de defender seu plano econômico, pois sabe que seu pai perdeu o pleito de 1992 por isso. Por outro lado, se os EUA puderem dispor do petróleo iraquiano, haverá efeitos econômicos positivos para o país a médio prazo. Como diria [Bill] Clinton, "é a economia, estúpido". Bush sabe disso", disse o economista Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia (EUA).


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