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COMENTÁRIO
Bush convence na guerra, mas não na economia
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
No plano internacional, o discurso de George W. Bush permite
uma dupla interpretação: primeiro, ao marcar a data em que os
EUA revelarão suas supostas provas de que Saddam Hussein mantém programas de armas de destruição em massa (5 de fevereiro),
jogou a carta do multilateralismo,
buscando acalmar seus aliados;
segundo, ao dizer que "o percurso
que os EUA seguem não pode depender de outras nações", mostrou que sua intenção de depor o
ditador iraquiano se concretizará
com ou sem a anuência da ONU.
Todavia o público-alvo de Bush
era mais o eleitorado americano
que a comunidade internacional.
Assim, dividiu sua intervenção
quase equitativamente entre a situação econômica atual dos EUA
e sua política externa, sobretudo
tentando convencer sua audiência da necessidade de desarmar o
Iraque. Ele obteve sucesso, de
acordo com analistas ouvidos pela Folha, na segunda parte, contudo suas propostas econômicas
não foram muito convincentes.
Quanto ao Iraque, o presidente
fez uso de uma retórica até então
pouco utilizada, explicitando detalhes das atrocidades cometidas
pelo regime de Saddam contra a
própria população iraquiana.
"A parte mais forte do discurso
foi a descrição da crueldade de
Saddam contra seu povo. Evocando-as, Bush buscou falar ao lado
humanitário dos americanos. Há
tempo, a América se vê como defensora de princípios que considera universais, como os direitos
humanos", analisou Diana Owen,
da Universidade de Georgetown
(EUA). A estratégia funcionou:
pesquisa apontou que 67% dos
americanos se dizem convencidos da necessidade de atacar Bagdá (eram 47% anteriormente).
"Houve certo messianismo até
quando Bush explicou que baixas
são inevitáveis. Ele disse que "nenhuma guerra está livre da tristeza", indicando que valores superiores devem guiar suas ações,
não o medo de reveses. Ligar Saddam à Al Qaeda segue a mesma
lógica", explicou Eric Fassin, da
Escola Normal Superior (Paris).
No plano doméstico, todavia, o
presidente foi menos convincente. Sua preocupação com a deterioração da conjuntura econômica dos EUA é compreensível, pois
a economia foi o calcanhar-de-aquiles de seu pai, o ex-presidente
George Bush (1989-1993). Porém,
na verdade, Bush apresentou, anteontem, uma carta de intenções,
não projetos concretos.
"A parte mais fraca do discurso
foi a da política doméstica. Por
exemplo, vários governadores já
afirmaram que o que ele disse sobre o programa de inserção de
crianças no sistema educacional é
fantasioso. Os Estados irão à falência se o fizerem. E sua gestão
tem sido caótica. O adiantamento
do corte de impostos para este
ano também é impraticável, já
que depende da aprovação do
Congresso", apontou Owen.
"Será impossível cortar impostos, equilibrar o Orçamento e
manter a política externa. Bush
teve de defender seu plano econômico, pois sabe que seu pai perdeu o pleito de 1992 por isso. Por
outro lado, se os EUA puderem
dispor do petróleo iraquiano, haverá efeitos econômicos positivos
para o país a médio prazo. Como
diria [Bill] Clinton, "é a economia,
estúpido". Bush sabe disso", disse
o economista Jeffrey Sachs, da
Universidade Columbia (EUA).
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