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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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Bem-vindo ao maravilhoso mundo de Saddam

Este é o mundo de Saddam Hussein, nós apenas vivemos nele. Na eventualidade cada vez mais complicada de a coalizão anglo-americana tomar Bagdá e derrubar o governo atual, o Exército dos EUA vai ter de destacar um batalhão inteiro apenas para
livrar a cidade da imagem do atual presidente iraquiano.

 


Ele está em todos os lugares, e não vai aqui nenhuma figura de linguagem. São todos os lugares mesmo. A começar pelo dinheiro do país, o dinar iraquiano: a efígie de Saddam estampa as cédulas de todos os valores, de 250 dinares, a mais baixa, a 10 mil dinares, a mais alta. E as moedas.

 


Nas centenas de praças que enfeitam Bagdá, há as mesmas centenas de estátuas do líder. Aí, acontece algo engraçado: ele ganha contornos de "action figure", aqueles bonequinhos americanos baseados nas HQs, em que o super-herói aparece em várias situações. Assim, temos o Saddam militar, o Saddam estadista, o Saddam de chapéu-coco e colete, com espingarda, o Saddam cavaleiro e até o Saddam xeque, vestido de líder tribal.

 


Nos prédios públicos -e quase só há prédios públicos na capital-, o presidente geralmente dá as boas-vindas num mural na entrada, também em situações temáticas. Por exemplo: na sede da telefônica, ele fala ao telefone, sorridente, enquanto no orfanato federal ele segura uma criança.
Camelôs vendem relógios com sua figura e cada parede de cada casa, loja, hospital, cinema traz um retrato do sorridente líder.

 


Mas atenção: é proibido desenhá-lo. Classes de jardim da infância visitadas pela Folha traziam trabalhos infantis louvando o presidente, mas para representá-lo todos colavam uma foto. "Não é permitido", disseram. Caricatura e cartum, nem pensar.

 


A TV iraquiana mostrou anteontem e ontem imagens de populares comemorando nas ruas a queda de um avião não-tripulado Predador, americano. É o quarto derrubado até agora, disse o ministério da Informação do Iraque.

 


Ainda da série "inocência iraquiana". A brincadeira mais comum entre os guias que atendem os jornalistas estrangeiros é deixá-los pedir Pepsi num restaurante. Os bagdalis pronunciam "Bebsi". Então, quando ouvem alguém falando "Pepsi", entendem "Tepsi", que é um ensopado de carneiro com frango. Pelo menos uma vez em sua visita a Bagdá o ocidental pede um refrigerante e recebe uma refeição.

 


Nunca mostre a sola de seu sapato a um iraquiano quando se sentar. Assim, evite cruzar as pernas. Eles acreditam que quem faz isso é rude e quer se exibir.

 


Além disso, o uso da mão esquerda é vedado na maior parte das situações: ao cumprimentar alguém, ao pegar e oferecer comidas e bebidas, ao apontar algo ou uma pessoa. A discriminação canhota se explica pela religião. Segundo o Corão, o livro sagrado do islamismo, o lado direito do corpo é o de Deus e das coisas puras, e o lado esquerdo, do mal e das coisas impuras.

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