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Zimbábue conta votos no escuro em disputa apertada
Calma marca eleições mais acirradas desde 1980; expectativa era de alto comparecimento
Em algumas seções, policiais
sentaram-se ao lado das
urnas; oposição e grupos
civis haviam manifestado
preocupação com fraudes
ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A HARARE
FÁBIO ZANINI
EM HARARE
Sob a luz de velas, em alguns
locais, e o receio generalizado
de fraudes, os votos das eleições presidencial, parlamentar
e locais no Zimbábue começaram a ser contados ontem à
noite. O país vive uma crise
econômica que se reflete em
apagões freqüentes, mas partidos de oposição e observadores
eleitorais suspeitavam do que
poderia ser o começo de uma
ação orquestrada pelo diretor
Robert Mugabe, 84, para segurar à força mais cinco anos no
poder -ele já está há 28.
Ao votar em Harare, Mugabe
rebateu: "Não é do nosso feitio
cometer fraudes eleitorais. Minha consciência não me deixaria dormir se eu trapaceasse".
"Estamos investigando a situação, mas isso nos preocupa",
disse Rindai Chipsundevava,
diretora da Rede Zimbabuana
de Apoio às Eleições (Zesn), organização civil que acompanha
o processo. Em Glennville, distrito da capital, votos eram contados às escuras.
Outro problema apontado foi
a falta de informação de vários
eleitores, que procuravam seus
nomes nas listas de votação somente para descobrir que estavam registrados em outros locais -o número de sessões eleitorais aumentou de 7.000 em
2005 para cerca de 9.400 neste
ano, e a redistribuição dos distritos eleitorais confundiu
muita gente.
Em algumas seções, segundo
observadores eleitorais, até
25% dos eleitores foram impedidos de votar por esse e outros
problemas.
Às 23h em Harare (18h em
Brasília), não havia sido informado ainda onde seria o centro
de tabulação de resultados, gerando receio que se repita o que
ocorreu em 2002, quando o
processo foi secreto e opositores e observadores externos
acusaram fraude.
Calma tensa
A votação, durante o dia, foi
tranqüila, apesar da forte presença policial, que muitos consideraram um sinal claro de intimidação.
Na St. Peter's School, no bairro pobre de Mbare, em Harare,
havia oito policiais a acompanhar o processo, uma presença
inusual. Do lado de fora, a pichação no muro do conjunto
habitacional em frente à seção
eleitoral indicava a inclinação
política local: "Vote MDC", dizia a frase em vermelho, em
alusão ao Movimento pela Mudança Democrática, principal
partido de oposição.
O forte aparato de segurança
se repetia também em bases do
governista Zanu-PF, constatou
a reportagem da Folha em quatro seções diferentes. A Zesn
confirmou, amparada no relato
de cerca de 7.000 observadores
independentes em todo o país.
Foram particularmente problemáticos os relatos de que
policiais se sentaram ao lado
das urnas no momento da votação, perturbando a privacidade
do voto, segundo a Zesn.
"Apesar da presença policial
visar a manutenção da ordem,
a Zesn teme que o forte aparato
de segurança leve à intimidação dos eleitores", disse a organização. A imprensa enfrentou
dificuldades. Na falta de regras
claras para o trabalho de repórteres credenciados, ficou a cargo dos oficiais responsáveis pelas seções a autorização para
imagens e entrevistas.
Na escola Sir Wilfrid Anson,
no bairro policial de Masasa, o
oficial Njasi impediu a reportagem de conversar com eleitores em um raio de 300 metros.
"Não quero perturbar o processo", justificou. Em tom intimidatório, o oficial fez questão
de pegar o endereço da reportagem para, se preciso, "conversar" sobre o que foi escrito.
À distância, a chef Jenifer
Mangwino, 30, mulher de um
policial, explicou à Folha seu
voto em Mugabe: "Ele fez muitas coisas boas para o país. Nossa economia seria boa se não
fossem as sanções externas".
Mas Mugabe, pela primeira
vez, enfrenta concorrência
acirrada. O candidato do MDC
Morgan Tsvangirai, é apontado
como maior ameaça ao domínio de 28 anos do ditador.
O independente Simba Makoni, ex-ministro das Finanças, prometia também dividir
os votos populares, num contexto que poderá levar o país ao
segundo turno pela primeira
vez desde a independência, em
1980. Os resultados devem ser
conhecidos até amanhã.
Apesar dos temores, dados
iniciais indicavam alto comparecimento. "Ao contrário do
que esperávamos antes, houve
muita empolgação com estas
eleições", disse a Zesn.
ANDREA MURTA viajou a convite das ONGs Conectas Direitos Humanos e Open Society
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