São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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Zimbábue conta votos no escuro em disputa apertada

Calma marca eleições mais acirradas desde 1980; expectativa era de alto comparecimento

Em algumas seções, policiais sentaram-se ao lado das urnas; oposição e grupos civis haviam manifestado preocupação com fraudes

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A HARARE

FÁBIO ZANINI
EM HARARE

Sob a luz de velas, em alguns locais, e o receio generalizado de fraudes, os votos das eleições presidencial, parlamentar e locais no Zimbábue começaram a ser contados ontem à noite. O país vive uma crise econômica que se reflete em apagões freqüentes, mas partidos de oposição e observadores eleitorais suspeitavam do que poderia ser o começo de uma ação orquestrada pelo diretor Robert Mugabe, 84, para segurar à força mais cinco anos no poder -ele já está há 28.
Ao votar em Harare, Mugabe rebateu: "Não é do nosso feitio cometer fraudes eleitorais. Minha consciência não me deixaria dormir se eu trapaceasse".
"Estamos investigando a situação, mas isso nos preocupa", disse Rindai Chipsundevava, diretora da Rede Zimbabuana de Apoio às Eleições (Zesn), organização civil que acompanha o processo. Em Glennville, distrito da capital, votos eram contados às escuras.
Outro problema apontado foi a falta de informação de vários eleitores, que procuravam seus nomes nas listas de votação somente para descobrir que estavam registrados em outros locais -o número de sessões eleitorais aumentou de 7.000 em 2005 para cerca de 9.400 neste ano, e a redistribuição dos distritos eleitorais confundiu muita gente.
Em algumas seções, segundo observadores eleitorais, até 25% dos eleitores foram impedidos de votar por esse e outros problemas.
Às 23h em Harare (18h em Brasília), não havia sido informado ainda onde seria o centro de tabulação de resultados, gerando receio que se repita o que ocorreu em 2002, quando o processo foi secreto e opositores e observadores externos acusaram fraude.

Calma tensa
A votação, durante o dia, foi tranqüila, apesar da forte presença policial, que muitos consideraram um sinal claro de intimidação.
Na St. Peter's School, no bairro pobre de Mbare, em Harare, havia oito policiais a acompanhar o processo, uma presença inusual. Do lado de fora, a pichação no muro do conjunto habitacional em frente à seção eleitoral indicava a inclinação política local: "Vote MDC", dizia a frase em vermelho, em alusão ao Movimento pela Mudança Democrática, principal partido de oposição.
O forte aparato de segurança se repetia também em bases do governista Zanu-PF, constatou a reportagem da Folha em quatro seções diferentes. A Zesn confirmou, amparada no relato de cerca de 7.000 observadores independentes em todo o país.
Foram particularmente problemáticos os relatos de que policiais se sentaram ao lado das urnas no momento da votação, perturbando a privacidade do voto, segundo a Zesn.
"Apesar da presença policial visar a manutenção da ordem, a Zesn teme que o forte aparato de segurança leve à intimidação dos eleitores", disse a organização. A imprensa enfrentou dificuldades. Na falta de regras claras para o trabalho de repórteres credenciados, ficou a cargo dos oficiais responsáveis pelas seções a autorização para imagens e entrevistas.
Na escola Sir Wilfrid Anson, no bairro policial de Masasa, o oficial Njasi impediu a reportagem de conversar com eleitores em um raio de 300 metros. "Não quero perturbar o processo", justificou. Em tom intimidatório, o oficial fez questão de pegar o endereço da reportagem para, se preciso, "conversar" sobre o que foi escrito.
À distância, a chef Jenifer Mangwino, 30, mulher de um policial, explicou à Folha seu voto em Mugabe: "Ele fez muitas coisas boas para o país. Nossa economia seria boa se não fossem as sanções externas".
Mas Mugabe, pela primeira vez, enfrenta concorrência acirrada. O candidato do MDC Morgan Tsvangirai, é apontado como maior ameaça ao domínio de 28 anos do ditador.
O independente Simba Makoni, ex-ministro das Finanças, prometia também dividir os votos populares, num contexto que poderá levar o país ao segundo turno pela primeira vez desde a independência, em 1980. Os resultados devem ser conhecidos até amanhã.
Apesar dos temores, dados iniciais indicavam alto comparecimento. "Ao contrário do que esperávamos antes, houve muita empolgação com estas eleições", disse a Zesn.


ANDREA MURTA viajou a convite das ONGs Conectas Direitos Humanos e Open Society


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