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São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 2003

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COMENTÁRIO

Dossiê maquiado alimenta a fogueira das meias verdades

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A BBC noticiou ontem que foi maquiado um dos relatórios dos serviços britânicos de inteligência evocados por Tony Blair para alertar sobre o perigo dos arsenais de Saddam Hussein.
Com sarcasmo, o informante não identificado disse que mudanças feitas na redação do documento, em setembro, destinavam-se a torná-lo "mais sexy".
Foi com base nele que o primeiro-ministro britânico afirmou que o ditador do Iraque poderia desencadear um ataque com armas químicas e bacteriológicas "em cerca de 45 minutos". Passados 50 dias da queda de Bagdá, não se encontrou no Iraque nenhuma arma proibida pela ONU.
A assessoria de Blair desmentiu que tenha adulterado o texto. Mas a BBC manteve sua versão.
Algo bem mais intrigante ocorreu terça-feira, quando o secretário norte-americano da Defesa, Donald Rumsfeld, disse em seminário, em Nova York, ser possível que Saddam Hussein tenha destruído suas armas químicas e bacteriológicas antes mesmo da guerra que o derrubou.
Ou seja, a mais forte motivação para a intervenção militar pode não ter passado de um blefe. George W. Bush determinou a invasão do Iraque para "desarmar" Saddam e impedir que armas de destruição em massa caíssem em mãos dos terroristas da Al Qaeda. O vínculo do Iraque com o terrorismo islâmico também não foi até agora comprovado.
A declaração de Rumsfeld, noticiada de forma discreta pela mídia norte-americana, acabou explodindo de verdade em Londres, em sessão do Parlamento.
Robin Cook, ex-membro do gabinete de Blair que se demitiu em protesto contra a guerra em preparo, acusou o primeiro-ministro de ter enganado os deputados para que estes autorizassem o desembarque das tropas.
Os jornais "The Independent" e "Le Monde" deram ontem manchete ao fato de Rumsfeld ter admitido que Saddam poderia não mais dispor de arsenais ilícitos.
Por sua vez, o subsecretário da Defesa Paul Wolfowitz, figura importante no pensamento neoconservador da Casa Branca, deu entrevista à revista mundana "Vanity Fair". Segundo a Reuters, disse que as armas de destruição em massa eram apenas um motivo "burocrático" de mobilização.
O mais importante, afirmou, era derrubar Saddam. Neutralizada a ameaça iraquiana, os EUA puderam retirar suas tropas da Arábia Saudita, onde essa presença militar atiçava o nacionalismo islâmico e facilitava o recrutamento terrorista da Al Qaeda.
Faz sentido. O que não impediu o "Le Monde", em editorial, de qualificar as razões evocadas por Bush e por Blair como "a maior mentira de Estado nos últimos anos". Ou seja, Hans Blix, o chefe dos inspetores da ONU, e mais os governos da França, da Alemanha e da Rússia tinham fortes razões para exigir mais cautela no roteiro que levaria à guerra. Saddam caiu, e hoje todos estão contentes.


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