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COMENTÁRIO
Dossiê maquiado alimenta a fogueira das meias verdades
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A BBC noticiou ontem que foi
maquiado um dos relatórios dos
serviços britânicos de inteligência
evocados por Tony Blair para
alertar sobre o perigo dos arsenais
de Saddam Hussein.
Com sarcasmo, o informante
não identificado disse que mudanças feitas na redação do documento, em setembro, destinavam-se a torná-lo "mais sexy".
Foi com base nele que o primeiro-ministro britânico afirmou
que o ditador do Iraque poderia
desencadear um ataque com armas químicas e bacteriológicas
"em cerca de 45 minutos". Passados 50 dias da queda de Bagdá,
não se encontrou no Iraque nenhuma arma proibida pela ONU.
A assessoria de Blair desmentiu
que tenha adulterado o texto. Mas
a BBC manteve sua versão.
Algo bem mais intrigante ocorreu terça-feira, quando o secretário norte-americano da Defesa,
Donald Rumsfeld, disse em seminário, em Nova York, ser possível
que Saddam Hussein tenha destruído suas armas químicas e bacteriológicas antes mesmo da guerra que o derrubou.
Ou seja, a mais forte motivação
para a intervenção militar pode
não ter passado de um blefe.
George W. Bush determinou a invasão do Iraque para "desarmar"
Saddam e impedir que armas de
destruição em massa caíssem em
mãos dos terroristas da Al Qaeda.
O vínculo do Iraque com o terrorismo islâmico também não foi
até agora comprovado.
A declaração de Rumsfeld, noticiada de forma discreta pela mídia
norte-americana, acabou explodindo de verdade em Londres, em
sessão do Parlamento.
Robin Cook, ex-membro do gabinete de Blair que se demitiu em
protesto contra a guerra em preparo, acusou o primeiro-ministro
de ter enganado os deputados para que estes autorizassem o desembarque das tropas.
Os jornais "The Independent" e "Le Monde" deram ontem manchete ao fato de Rumsfeld ter admitido que Saddam poderia não mais dispor de arsenais ilícitos.
Por sua vez, o subsecretário da Defesa Paul Wolfowitz, figura importante no pensamento neoconservador da Casa Branca, deu entrevista à revista mundana "Vanity Fair". Segundo a Reuters, disse que as armas de destruição em
massa eram apenas um motivo
"burocrático" de mobilização.
O mais importante, afirmou,
era derrubar Saddam. Neutralizada a ameaça iraquiana, os EUA
puderam retirar suas tropas da
Arábia Saudita, onde essa presença militar atiçava o nacionalismo
islâmico e facilitava o recrutamento terrorista da Al Qaeda.
Faz sentido. O que não impediu
o "Le Monde", em editorial, de
qualificar as razões evocadas por
Bush e por Blair como "a maior
mentira de Estado nos últimos
anos". Ou seja, Hans Blix, o chefe
dos inspetores da ONU, e mais os
governos da França, da Alemanha
e da Rússia tinham fortes razões
para exigir mais cautela no roteiro
que levaria à guerra. Saddam caiu,
e hoje todos estão contentes.
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