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EUROPA
Ator e ex-ministro socialista estão envolvidos
Escândalo de pedofilia provoca terremoto político em Portugal
MARIE-CLAUDE DECAMPS
DO "LE MONDE", EM LISBOA
Lisboa se esconde sob o calor
opressivo. É como se o clima estivesse em conluio com a tempestade político-judicial que abala a capital há vários meses e testa a jovem democracia portuguesa.
Ela começou em novembro do
ano passado, quando veio à tona
um escândalo que atinge uma das
instituições mais emblemáticas
de Lisboa: a Casa Pia, um centro
educacional do Estado que abriga
4.500 menores carentes e que há
200 anos é visto como um símbolo da boa consciência social portuguesa.
De acordo com a imprensa
-enfurecida desde a prisão preventiva de sete personalidades conhecidas, entre elas um ex-ministro socialista, um ator e um apresentador de televisão-, a respeitável Casa Pia vem servindo há
mais de 20 anos como "viveiro"
de uma rede de pedofilia. Foi um
choque enorme para Portugal.
Tudo começou com Joel, 15, internado na Casa Pia aos 9. Afundado na poltrona, com o rosto
parcialmente coberto por um capuz, ele conta sua história na televisão. Ele a repete sempre com as
mesmas palavras e o mesmo sentimento de vergonha: "Foi há dois
anos. Bibi era mensageiro da Casa
Pia. Eu gostava muito dele. Ele falava comigo, me dava presentinhos... Eu chegava a chamá-lo de
papai, porque nunca cheguei a
conhecer o meu. Um dia, na
praia, ele me violentou". Bibi, cujo nome verdadeiro é Carlos Silvino, abusou dele em 16 ocasiões,
sempre ameaçando espancá-lo se
fosse delatado.
Foi a mãe de Joel, indignada,
quem resolveu falar. O escândalo
fez manchetes.
Cinco crianças falaram num
primeiro momento, depois dez,
depois mais 15. Elas relataram as
"noitadas especiais" às quais
eram levadas, numa mansão em
Cascais e noutra no Alentejo. O
cenário era sempre o mesmo: menores de idade, levados de carro
por Bibi, eram entregues ao bel-prazer de "senhores de terno ou
de colete".
Pedro Strecht, um dos psiquiatras encarregados de avaliar os
menores, já contabilizou 128 jovens vítimas.
Bibi acabou preso.
A opinião pública se tranquilizou. "Uma vítima que naturalmente se tornou agressora", disse
o psiquiatra Strecht, convencido
de que também Bibi foi violado na
infância.
Mas como explicar que semelhante escândalo tenha sido sufocado? Nenhuma denúncia contra
Bibi havia trazido resultado. Uma
subsecretária de Estado para a Família disse que foi ameaçada de
morte por ter tentado intervir.
Um professor, Américo
Henriques, vinha alertando para
o problema desde 1975.
Foi aconselhado a "não ultrapassar suas funções". "Tentei por
diversas vezes. Em 1986, compreendi que havia alguma coisa
de muito forte por trás daquilo.
Pensei em minha família e deixei
o assunto de lado", confessa esse
ex-aluno da Casa Pia.
Assim surgiu a teoria da rede toda poderosa. Os nomes dos envolvidos provocam comoção em
Portugal: Herman José, o mais
popular ator cômico do país, o
embaixador Jorge Ritto e o apresentador de televisão Carlos Cruz,
ícone das famílias populares. E o
que dizer da prisão chocante do
ex-ministro Paulo Pedroso, aquele no qual os socialistas apostavam seu futuro?
Foi a gota d'água que fez tudo
estremecer. A opinião pública,
unida na mesma indignação
quando se tratava apenas do "caso Bibi" , se dividiu quando a investigação jogou por terra uma
certa imagem de Portugal.
"O país inteiro se sente humilhado", responde o diretor-adjunto do jornal "Público", Eduardo Damaso. "Todos os ressentimentos vieram à tona de uma só
vez: as críticas contra a Justiça
classista, o desejo de pôr fim à
corrupção constante, a desconfiança em relação aos homens públicos. Esse caso será o primeiro
verdadeiro teste dos valores democráticos de nossas instituições,
desde a revolução", disse Damaso, citando a Revolução dos Cravos, de 1974, que pôs fim à ditadura salazarista e instaurou a democracia no país.
Tradução de Clara Allain
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