|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Uma alegoria da América Latina
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
A volta de Lino Oviedo ao Paraguai, o mesmo general que já se
fantasiou de imperador romano,
é daqueles eventos que reafirmam
o caráter alegórico da América
Latina. Ao descer do avião, Oviedo sabia que seria preso e esperava por isso, pois lhe interessava
transformar sua volta num dramalhão típico deste continente.
A América Latina oviedista é a
realização de um certo "etos barroco", no qual a modernidade é
incorporada quase sempre como
farsa. O espetáculo teatral de
Oviedo prova que a simulação,
neste lado do mundo, é muito
mais importante do que o real. "A
aparência triunfa sobre os significados políticos, ditando os motivos que irão gerenciar a ação histórica", diz Janice Theodoro em
"América Barroca".
Oviedo obviamente não está sozinho nessa carnavalização da
história. Para ficarmos somente
no século 20, tomemos como
exemplo o peronismo, cujo eixo é
o desprezo pelas teorias, pelo jogo
político e, em última análise, pelas
lições do passado. "Julgamos tudo empiricamente pelos resultados. Todas as demais considerações são inúteis", escreveu Perón
em "Conducción Política".
Para o caudilho argentino, liderar é uma "arte" e, portanto, depende não da racionalidade, mas
da "inspiração, que os homens
têm ou não".
O resultado disso é que a retórica peronista -e oviedista, e chavista, e castrista, afinal- "não
presentifica nada ausente e não
estende nenhuma linha de distinção na dimensão do passado, mas
mostra exclusivamente a plenitude do presente e da proximidade", diz Hans Ulrich Gumbrecht
em "Modernização dos Sentidos". Isto é, a linguagem desse
caudilhismo é pura forma e, portanto, surge totalmente descompromissada com a verdade histórica, quando não a afronta.
É assim que Oviedo tenta provar que não arquitetou um golpe
de Estado em 1996, apesar de todas as evidências em contrário. É
assim que Chávez procura passar
por democrata, tendo ele mesmo
tentado, em 1992, derrubar um
governo eleito. É assim que Fidel
defende as "conquistas" cubanas,
enquanto aqueles que discordam
de seu ponto de vista estão presos,
exilados ou mortos.
É como na Macondo de Gabriel
García Márquez, em que, após o
massacre de 3.000 trabalhadores
rebelados, os militares dizem:
"Claro que foi um sonho. Em Macondo não aconteceu nada, nem
está acontecendo, nem nunca
acontecerá. É um povoado feliz".
Texto Anterior: Ex-general é novo problema para o governo Próximo Texto: Diplomacia: Para EUA, Estado na América Latina é fraco contra o crime Índice
|