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Indígenas tentam resgatar dialeto leko na Bolívia
DADO GALDIERI
EM GUANAY
Dirai, Tchai, Toi, Verà (quatro,
três, dois, um).
O dialeto para enumerar a contagem acima é, segundo a revista
britânica "The Economist", a segunda língua no mundo com
maior perigo de extinção.
Os lekos, remanescentes indígenas de origem pouco conhecida,
vivem em povoados isolados espalhados por Franz Tamayo e Larecaja, nas Yungas bolivianas. Há
18 indígenas que podem ser considerados puros lekos, levando
em conta a influência linguística
como identidade cultural e étnica.
Há algum tempo, seria difícil
identificá-los, pois sentiam vergonha de falar seu próprio idioma.
Ridicularizados pelas novas gerações (que adotaram a cultura ibérica) e com a auto-estima destruída, chegaram a questionar a utilidade do seu idioma.
De maneira geral, todo o processo de extinção das línguas
ameríndias se acentuou devido à
introdução de um novo sistema
econômico e cultural europeu,
mudando seus valores iniciais.
O fim dos lekos envolve vários
fatores, entre eles a invasão européia, as missões evangelizadoras
espanholas, a construção de ferrovias e a reforma agrária promovida pelo ex-presidente boliviano
Víctor Paz Estenssoro em 1953.
Hoje existe um esforço deliberado, porém sem ordem para resgatar a identidade e o idioma leko,
aproveitando a Lei de Reforma
Agrária de 1996, que confirma o
direito das populações originárias
à propriedade da terra
Como diz José Tupa, morador
da comunidade de Tomachi e
funcionário de uma das organizações indígenas, os lekos são um
povo que precisa resgatar sua
identidade cultural e sua língua
para ter direito à terra ancestral.
De acordo com a Reforma Educacional boliviana e o reconhecimento constitucional de sua pluralidade étnica, os bolivianos ganharam o direito à educação bilíngue que, na prática, não pode
ser feita, pois não há professores
capacitados e, no caso dos lekos, a
tarefa vai sendo conduzida pelos
moradores mais idosos.
Benedicto Cerda, 67, de ascendentes lekos e aimarás, toma o lugar de professor voluntário na comunidade de K'arura onde vive.
Durante duas ou três horas por
dia, Cerda reúne os mais jovens
do povoado para tentar fazê-los
decorar uma apostila chamada
"Burua Kilka" (caderno do leko).
A apostila é o único instrumento usado para o ensino da língua.
Apesar dessa iniciativa, a própria
Pilcol, organização indígena que
cuida dos interesses dos lekos,
desconhece o trabalho de Simon
van de Kerke, um holandês, que
aprendeu espanhol com os indígenas. Ao lado de sua barraca
montada em frente à choça de seu
melhor informante, na comunidade leka de K'arura, o professor
e linguista holandês diz ser "um
milagre" ter conseguido compilar
aproximadamente 400 palavras
em dialeto, com essas pessoas que
já não falam o idioma há mais de
50 anos e que quase não têm dentes, comprometendo a dicção.
Para esse trabalho foram necessários quatro anos de perambulações pelas matas da região, para
identificar e ganhar a confiança
de 18 informantes que já não queriam saber de falar o leko.
Cortando cana e passando os
dias na lavoura com Cerilo Figueiredo, um indígena de 67 anos
que desde os 13 não falava o dialeto, Simon fez um amigo e conseguiu também o seu melhor informante, num método no mínimo
intrigante, mas muito usado pelas
missões religiosas de antes.
Andando pelas trilhas na mata
com sua mochila e notebook, Simon garimpa as palavras da memória do velho indígena, lembra-o como dizer certas coisas e registra os vestígios de uma cultura
que já não passa de um trapo.
Resgate
Neste ano, antropólogos, cientistas e linguistas deverão tentar
preservar o patrimônio histórico
que o mundo está perdendo. Uma
organização americana, a "The
Linguistic Society of America",
estabeleceu um comitê para cuidar de línguas em perigo.
Colaborou Karina Salazar
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