São Paulo, segunda-feira, 30 de julho de 2001

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Indígenas tentam resgatar dialeto leko na Bolívia

DADO GALDIERI
EM GUANAY

Dirai, Tchai, Toi, Verà (quatro, três, dois, um).
O dialeto para enumerar a contagem acima é, segundo a revista britânica "The Economist", a segunda língua no mundo com maior perigo de extinção.
Os lekos, remanescentes indígenas de origem pouco conhecida, vivem em povoados isolados espalhados por Franz Tamayo e Larecaja, nas Yungas bolivianas. Há 18 indígenas que podem ser considerados puros lekos, levando em conta a influência linguística como identidade cultural e étnica.
Há algum tempo, seria difícil identificá-los, pois sentiam vergonha de falar seu próprio idioma. Ridicularizados pelas novas gerações (que adotaram a cultura ibérica) e com a auto-estima destruída, chegaram a questionar a utilidade do seu idioma.
De maneira geral, todo o processo de extinção das línguas ameríndias se acentuou devido à introdução de um novo sistema econômico e cultural europeu, mudando seus valores iniciais.
O fim dos lekos envolve vários fatores, entre eles a invasão européia, as missões evangelizadoras espanholas, a construção de ferrovias e a reforma agrária promovida pelo ex-presidente boliviano Víctor Paz Estenssoro em 1953.
Hoje existe um esforço deliberado, porém sem ordem para resgatar a identidade e o idioma leko, aproveitando a Lei de Reforma Agrária de 1996, que confirma o direito das populações originárias à propriedade da terra
Como diz José Tupa, morador da comunidade de Tomachi e funcionário de uma das organizações indígenas, os lekos são um povo que precisa resgatar sua identidade cultural e sua língua para ter direito à terra ancestral.
De acordo com a Reforma Educacional boliviana e o reconhecimento constitucional de sua pluralidade étnica, os bolivianos ganharam o direito à educação bilíngue que, na prática, não pode ser feita, pois não há professores capacitados e, no caso dos lekos, a tarefa vai sendo conduzida pelos moradores mais idosos.
Benedicto Cerda, 67, de ascendentes lekos e aimarás, toma o lugar de professor voluntário na comunidade de K'arura onde vive.
Durante duas ou três horas por dia, Cerda reúne os mais jovens do povoado para tentar fazê-los decorar uma apostila chamada "Burua Kilka" (caderno do leko).
A apostila é o único instrumento usado para o ensino da língua. Apesar dessa iniciativa, a própria Pilcol, organização indígena que cuida dos interesses dos lekos, desconhece o trabalho de Simon van de Kerke, um holandês, que aprendeu espanhol com os indígenas. Ao lado de sua barraca montada em frente à choça de seu melhor informante, na comunidade leka de K'arura, o professor e linguista holandês diz ser "um milagre" ter conseguido compilar aproximadamente 400 palavras em dialeto, com essas pessoas que já não falam o idioma há mais de 50 anos e que quase não têm dentes, comprometendo a dicção.
Para esse trabalho foram necessários quatro anos de perambulações pelas matas da região, para identificar e ganhar a confiança de 18 informantes que já não queriam saber de falar o leko.
Cortando cana e passando os dias na lavoura com Cerilo Figueiredo, um indígena de 67 anos que desde os 13 não falava o dialeto, Simon fez um amigo e conseguiu também o seu melhor informante, num método no mínimo intrigante, mas muito usado pelas missões religiosas de antes.
Andando pelas trilhas na mata com sua mochila e notebook, Simon garimpa as palavras da memória do velho indígena, lembra-o como dizer certas coisas e registra os vestígios de uma cultura que já não passa de um trapo.

Resgate
Neste ano, antropólogos, cientistas e linguistas deverão tentar preservar o patrimônio histórico que o mundo está perdendo. Uma organização americana, a "The Linguistic Society of America", estabeleceu um comitê para cuidar de línguas em perigo.


Colaborou Karina Salazar



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