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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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CASO KELLY

Campbell, conhecido por sua grande influência sobre o premiê, sai em meio à maior crise política do governo britânico

Principal assessor de Blair renuncia

Stephen Hird/France Presse
Alastair Campbell em seu gabinete, logo depois de anunciar sua renúncia do governo britânico


MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

O diretor de comunicações e de estratégia do governo britânico, Alastair Campbell, principal assessor do premiê Tony Blair, pediu demissão do cargo ontem.
Ele exercia tamanho poder que era chamado de "vice-premiê" e, com sua saída, pode estar terminando a era dominada pela percepção de que a manipulação das informações e da mídia se tornou parte essencial do governo.
Ele deixa o cargo em meio à maior crise política do governo, quando a popularidade de Blair está no seu ponto mais baixo desde que ele chegou ao cargo, em 1997. Segundo pesquisa divulgada ontem pelo jornal "Daily Telegraph", 69% dos britânicos acham que o governo não tem sido honesto.
A demissão já era esperada, e desde julho havia rumores de que Campbell sairia, mas o momento do anúncio surpreendeu, pois havia a expectativa de que seria no fim do ano. Campbell está no centro da disputa entre o governo e a BBC em torno de uma reportagem que acusou a assessoria de Blair de ter exagerado um dossiê contra o Iraque usado para justificar a guerra.
Ele disse que a saída não está ligada ao inquérito que apura a morte de David Kelly, o cientista do Ministério da Defesa que foi a fonte da BBC e se suicidou depois da revelação de seu nome. Blair depôs nesse inquérito anteontem.
Além de Campbell, saiu também sua mulher, Fiona Millar, que é assessora de Cherie Blair, a mulher do premiê. O diretor de comunicações disse que queria ter saído do governo em setembro do ano passado, mas foi convencido por Blair a ficar, por causa do problema no Iraque.
"Concordamos [Campbell e Blair] no dia 7 de abril deste ano que eu sairia definitivamente no verão [europeu, que está no fim], e eu agora comuniquei formalmente ao primeiro-ministro a minha decisão de sair", disse Campbell ontem. Ainda não foi marcada a data para que ele deixe o cargo, que deve acontecer nas próximas semanas.
Campbell disse que sai porque quer de volta "sua vida e sua família", depois de nove anos trabalhando para Blair "sem ter um fim de semana de folga". "Foi um enorme privilégio trabalhar tão próximo na oposição e no governo para alguém que, acredito, a história vai fazer justiça como um grande primeiro-ministro", disse.
O assessor é amigo muito próximo de Blair, um dos poucos com quem o premiê tinha total abertura e, segundo analistas, alguém que dizia ao premiê o que fazer e dizer. Blair emitiu uma nota dizendo que Campbell tinha sido "um servidor imensamente capaz, destemido e leal da causa em que acreditava". E acrescentou que "ele era, é e permanecerá um bom amigo".
O inquérito que investiga a morte de Kelly tem deixado claro o tamanho do poder de Campbell, apesar de não ter sido eleito, fato estranho em um governo parlamentarista, em que todos os ministros necessariamente são parlamentares. De acordo com depoimentos e e-mails que surgiram no inquérito, ele discutiu os termos do dossiê do Iraque e presidiu reuniões para discutir o tema com graduados servidores, quando nem mesmo o ministro da Defesa, Geoff Hoon, participava delas.
Tony Benn, um dos mais antigos parlamentares trabalhistas e da esquerda tradicional do partido de Blair criticou a importância que Campbell tinha no governo: "É de esperar que, com a saída dele, fique claro ao premiê que o povo perdeu a confiança no governo e na sua corte medieval, formada pelo rei e seus favoritos."
Para a parlamentar conservadora Ann Widdecombe, Campbell era o arquiteto de uma forma de manipulação "de extensão e natureza nunca vistas na política britânica".
Campbell será substituído por David Hill, ex-chefe de comunicações do Partido Trabalhista, e o governo já anunciou que haverá mudanças na política de comunicações.


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