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Constituinte descarta lei atual na Bolívia
Por maioria simples, legisladores decidem que Carta será "originária" e poderá mudar toda a legislação vigente; oposição vê fraude
Impasse pára Assembléia, onde opositores pedem que Constituinte parta de leis
já existentes, e governistas negam haver contravenção
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SUCRE
Apesar de ainda não haver
uma decisão final sobre o sistema de voto para a Assembléia
Constituinte boliviana, os governistas aprovaram durante
uma tumultuada sessão na madrugada de ontem um artigo
que declara a nova Constituição "originária", isto é, com um
mandato para mudar toda a legislação vigente no país.
A oposição, que defende uma
nova Carta "derivada", levando
em conta as leis em vigor, acusou a bancada do presidente
Evo Morales de fraude e ameaça recorrer ao Tribunal Constitucional. "Outra vez, o MAS
(Movimento ao Socialismo)
atropelou, não cumpriu as normas que havíamos aprovado,
nenhuma das normas básicas
da democracia", disse o constituinte Samuel Doria Medina,
líder da Unidade Nacional
(UN) logo após a votação, na
porta da Assembléia, em Sucre.
Ao longo das últimas semanas, a UN vinha negociando
uma fórmula de consenso com
o MAS para aprovar um sistema de votação, mas as conversas fracassaram. Agora, a terceira maior bancada do país ensaia uma aproximação com o
Podemos -mas o principal
partido oposicionista, dono da
segunda bancada, só aceita o
sistema de votação por dois terços, como prevê a Lei de Convocatória, aprovada pelo Congresso em abril último.
Os governistas começaram
defendendo o voto por maioria
simples, o que evitaria negociações prolongadas. Nesta semana, apresentaram um sistema
misto, rejeitado pela oposição.
O impasse tem paralisado os
trabalhos da Constituinte, instalada em 6 de agosto.
Improvisos
A votação na Assembléia
Constituinte, improvisada em
um grande teatro da cidade histórica de Sucre (a 400 km de La
Paz), começou por volta das
0h35, a 15 minutos de a sessão
completar 6 horas -tempo máximo previsto no regulamento.
Até então, só 25 dos 97 constituintes inscritos haviam discursado, repetindo argumentos sobre os dois temas mais
disputados -se a votação deve
ser por dois terços ou maioria
simples e se a Carta deve ser
"originária" ou "derivada".
"Esta Constituinte foi convocada por uma Lei de Convocatória do atual Congresso, baseado na atual Constituição.
Portanto, negar o que foi feito
neste país até agora é negar a
nossa própria existência aqui",
discursou um constituinte da
oposição, formada praticamente por brancos e posicionada no
lado direito do hemiciclo.
"Antes da chegada dos espanhóis, vivíamos felizes", disse
um constituinte do MAS, cuja
bancada, do lado esquerdo, é
predominantemente indígena
-muitos, vestidos em trajes típicos, mascavam coca durante
a sessão. "E pela primeira vez
os quéchuas e aimarás participamos de uma Constituinte do
que hoje é a Bolívia", completou, em alusão às etnias que
formam 55% da população.
Quando a sessão estava próxima do fim, o vice-presidente
oficialista, Roberto Aguilar,
propôs a votação do artigo sobre o caráter da Assembléia
"para dar um sinal à população
de que estamos trabalhando". A
proposta foi imediatamente
aceita pela presidente da Assembléia, a também governista
Silvia Lazarte, considerada pelo próprio MAS como o "braço
direito" do presidente Morales.
Confusão
A manobra desatou a ira da
oposição. Um membro de Podemos da mesa diretora começou a bater boca com um governistas -os dois só não trocaram socos porque foram separados. No hemiciclo, um oposicionista conseguiu ligar o microfone e repetiu inúmeras vezes que não poderia haver votação sem a aprovação de um sistema de voto, mas o processo
seguiu com duas votações.
Por causa do tumulto, vários
constituintes disseram que
seus votos não foram registrados. A própria chefe da bancada
do MAS, Mirtha Jimenez, admitiu que apertou o botão de
votação de forma errada -seu
voto foi registrado como contrário à posição governista.
No final, a Assembléia "originária" -termo que remete tanto à idéia de fundação quanto à
população indígena- venceu
com 159 votos (63%). Houve 80
votos contrários (32%), 10 que
não votaram e 2 abstenções.
"Há observações de forma,
mas não de fundo", disse à Folha o constituinte do MAS
Marcos Casillo. "Nem todos falaram sobre sua posição. Mas
obviamente o MAS não está cometendo nenhuma arbitrariedade ou contravenção. Para
aprovar o regulamento geral, é
maioria simples, e o MAS respeita o que diz a Lei de Convocatória -só o texto final deve
ser aprovado com dois terços."
Ontem de manhã, o governo
cedeu em parte à oposição e
promoveu uma nova votação
sobre o artigo, desta vez de forma nominal -cada um dos 251
constituintes presentes (ao todo, são 255) teria dois minutos
para justificar seu voto.
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