São Paulo, sexta-feira, 30 de novembro de 2007

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Governadores rejeitam acordo com Morales

Presidente diz que quer diálogo, mas oposição o chama de cínico e exige que antes ele recue sobre projeto de nova Carta

Para a socióloga Ximena Costa, proposta de Morales cairá no vazio porque ele não tocou nas demandas feitas por departamentos

Martín Alipaz/Efe
Evo Morales (dir.) em reunião com os embaixadores de países da UE, que lhe pediram que respeite os princípios democráticos


FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

O presidente boliviano, Evo Morales, chamou ontem os governadores e prefeitos oposicionistas ao diálogo, mas o impasse continua, já que ao menos dois dos principais departamentos (Estados) que fizeram greve anteontem, Santa Cruz e Cochabamba, rejeitaram a proposta, por considerá-la insuficiente.
"Somos da cultura do diálogo e convocamos os governadores ao diálogo", disse Morales em discurso no Palácio Quemado, no qual também criticou os oposicionistas pela paralisação. "Os empresários não param. As empresas seguem produzindo, só os mais pobres perdem."
Momentos depois, o governador Rubén Costas, de Santa Cruz, pólo econômico da Bolívia e principal bastião oposicionista, respondeu: "Depois de matar gente nos convoca ao diálogo? Primeiro tem de pedir perdão ao povo de Chuquisaca", disse, em referência aos três mortos nos confrontos com a Polícia Nacional durante a aprovação do texto geral da nova Constituição no último fim de semana, na cidade de Sucre, capital do departamento de Chuquisaca. A oposição considera a sessão ilegal.

Autonomia e Carta
Segundo Costas, antes de conversar, o governo tem de recuperar "a democracia depois que a matou". "Não seja cínico, senhor presidente. O senhor tem de voltar este país à legalidade. O presidente tem que reconhecer que esse país não se governa sem Santa Cruz."
Costas desafiou o presidente a convocar um referendo revocatório de todos os cargos do Executivo -de presidentes a governadores. "O povo vai decidir quem tem as mãos manchadas de sangue."
Além da questão da nova Carta, o governador também considerou que o governo só mostrará disposição real ao diálogo quando revogar a lei do Renda Dignidade, programa de transferência de renda aos idosos. O benefício será financiado com parte de um imposto sobre hidrocarbonetos que é dividido com os departamentos.
Até o fechamento desta edição, não se sabia o posicionamento dos demais departamentos que participaram da paralisação de anteontem: Tarija, Pando, Beni e Chuquisaca. Mas dirigentes de Santa Cruz e Pando convocaram para segunda-feira uma greve de fome.
No discurso, Evo Morales não mencionou a Carta boliviana -embora mais cedo tenha convocado todos os partidos a se reunir para votar a proposta artigo por artigo. A aprovação do texto geral se deu sem a presença da oposição.
Ontem, uma comissão da Assembléia Constituinte reuniu-se em um prédio da Loteria Nacional boliviana em La Paz para decidir quando retomar as sessões e em que cidade.
Na madrugada de quarta, em sessão também contestada pela oposição, os governistas no Congresso decidiram que a Constituinte poderá concluir seus trabalhos fora de Sucre, sua sede oficial. Há propostas para levar a instância para a capital ou ainda para El Alto, na região metropolitana, onde é forte o apoio ao governo.
Os departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija querem que o governo lhes dê autonomia administrativa -em referendo em 2006, a população desses departamentos disse "sim" à proposta, que no entanto perdeu na votação geral.
Os oposicionistas preparam um documento, chamado "Carta de Autonomia", para levar a nova consulta popular caso o governo não declare a autonomia até 15 de dezembro.

Diálogo de surdos
Para a socióloga Ximena Costa, a proposta do presidente cairá no vazio porque ele não tocou nas demandas dos departamentos. "É um diálogo de surdos", afirmou.
"A greve de fome, de certa maneira, é uma boa notícia para os bolivianos, porque dá mais tempo à negociação, embora deva se tornar mais um desgaste para a oposição do que uma ferramenta que dê resultados concretos. O governo não parece disposto a ouvir e deve seguir com a Assembléia Constituinte", continua a analista.
Para ela, deve haver mais confrontos e a violência é agora uma "questão de tempo: não se sabe se de curto, médio ou longo prazo". "O governo tem feito atos à margem da legalidade, autoritários, e o caminho é que a oposição também os tome."


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