São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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AMÉRICA LATINA

Jorge Castañeda, tido como guru do brasileiro Ciro Gomes, recebe críticas fortes de ex-aliados cubanos

Cuba abre "guerra" a chanceler do México

CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha

O governo cubano abriu guerra contra quem já foi menino mimado pela ilha de Fidel Castro e, mais recentemente, guru do presidenciável brasileiro Ciro Gomes (PPS). O inimigo é Jorge Castañeda Gutman, 48, sociólogo de profissão e, atualmente, ministro de Relações Exteriores do México.
É um "renegado", ataca o jornal cubano "Granma", que, como todos em Cuba, funciona como porta-voz do governo.
A guerra contra Castañeda se deve a um incidente diplomático ocorrido no dia 21, em Monterrey, durante a Cúpula sobre o Financiamento ao Desenvolvimento, organizada pelas Nações Unidas.
O presidente cubano Fidel Castro fez o discurso de praxe, na sessão plenária inaugural, no qual, também como de praxe, acusou a ordem econômica internacional de ser "um sistema de pilhagem". Mas a rotina terminou aí.
Logo em seguida, Castro anunciou que se retiraria imediatamente do país, devido ao que chamou de "situação especial" criada por sua presença.
Dias depois, o "Granma" incumbiu-se de explicar a "situação especial": acusou Castañeda de, sob pressão dos Estados Unidos, ter pedido que Castro ficasse poucas horas em Monterrey, para não cruzar, em momento algum, com George Walker Bush, igualmente presente ao encontro.
Castañeda, como é óbvio, nega. Mas a edição eletrônica da revista "Proceso", a principal do México, confirma a versão cubana. Diz a revista que o governo mexicano pedira a Cuba que Castro não fosse a Monterrey. O chanceler cubano, Ricardo Alarcón, recusou o pedido. "Não podemos permitir que mutilem nossos direitos como membros das Nações Unidas", teria dito.
Foi então que o governo mexicano pediu que Fidel fosse breve em seu discurso (foi) e que não ficasse além do dia 21.
No dia 22, haveria o que o presidente mexicano Vicente Fox batizou de "retiro", apenas entre os chefes de Estado/governo presentes, no que seria, portanto, a ocasião em que Castro e Bush poderiam ficar na mesma sala, talvez lado a lado.
O incidente acabou provocando tremendo ruído no México, o único país latino-americano que não rompeu relações com a Cuba de Fidel Castro quando a OEA (Organização dos Estados Americanos) colocou a ilha caribenha de quarentena absoluta, sob pressão norte-americana.
Tanto ruído que Jorge Castañeda foi chamado a dar explicações ante a Comissão de Relações Exteriores do Congresso mexicano. Ele deve comparecer na próxima quarta-feira.
A explicação não será tarefa simples. Castañeda chegou a receber treinamento militar em Cuba, para lutar na América Central, conforme o "Granma" contou, para justificar o rótulo de "renegado" aplicado ao chanceler mexicano.

Livros polêmicos
É verdade que Castañeda já vinha se distanciando de Cuba, paulatinamente. Primeiro, porque o governo cubano não gostou de seu livro "Utopia Desarmada", um alentado trabalho sobre a luta armada na América Latina.
Um segundo livro, a biografia do guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara, herói da Revolução Cubana, selou a ruptura.
O livro é de 1997, ano em que o próprio Castañeda estava empenhado em construir alianças da esquerda com a centro-esquerda em vários países latino-americanos, no Brasil inclusive.
Seu parceiro acadêmico na empreitada foi o filósofo Roberto Mangabeira Unger, geralmente tido como o guru de Ciro Gomes. Ciro, aliás, participou de várias reuniões da esquerda promovidas pela dupla Castañeda e Mangabeira Unger, a última das quais foi em 1998, no Chile.
A convite de Castañeda/Mangabeira Unger, lá estavam também Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, presidente nacional do PT, Tarso Genro (indicado, naquela reunião, para candidato presidencial do PT, o que acabou não se concretizando), Leonel Brizola e Vicente Fox, entre muitos outros.
Castañeda decidiu passar da teoria para a prática, pelo menos em seu próprio país: aliou-se a Vicente Fox (de um partido conservador) na campanha eleitoral, ajudou a captar votos nas áreas de centro e esquerda, virou chanceler e, atualmente, é tido como candidato para o pleito que definirá o ocupante da Presidência em 2006.
A questão pendente é saber se a guerra com Cuba ajuda ou atrapalha sua eventual candidatura.
Se depender da esquerda que Castañeda antes cortejava, atrapalha muito. No jornal "La Jornada", o colunista Carlos Montemayor escreve que "uma das razões não explícitas (para o "affaire" Cuba/Castañeda) poderia ser o crescente domínio que exerce o governo norte-americano sobre o governo mexicano".



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