São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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Mesmo considerado autoritário, Kirchner agrada

Pesquisa revela que número de argentinos que vêem o presidente como democrático diminuiu, mas sua aprovação aumentou

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Pela primeira vez desde o início do mandato do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, o número de argentinos que dizem considerá-lo autoritário superou o dos que o acham democrático. Criticado pela imprensa, pela Igreja Católica e, nesta semana, até pela Justiça, o traço "autoritário" do estilo presidencial, porém, é visto como positivo pela população.
A avaliação positiva da gestão Kirchner chegou a 71,7% em fevereiro deste ano, segundo dados do Programa de Estudos de Opinião Pública da Universidade Aberta Interamericana -em fevereiro de 2006 era de 66,7%.
O mesmo estudo revela que, entre agosto de 2006 e fevereiro de 2007, a porcentagem dos que avaliam Kirchner como "mais autoritário que democrático" (37,9%) ultrapassou a dos que o crêem "democrático" (34,3%). Em fevereiro de 2004, a imagem de "democrático" vencia por 63,9% a 9,8%.
"Entre os argentinos, a imagem de autoritário não é negativa. Parece incompatível, mas o que as pessoas estão dizendo ao presidente é que exerça a autoridade com força", explica o professor Raúl Aragón, diretor do programa, que entrevista mil pessoas a cada três meses para fazer as duas medições.
Segundo ele, a "crise de legitimidade que envolveu todo o sistema de autoridade argentino e culminou com a renúncia do presidente Fernando de la Rúa [em dezembro de 2001]" é o principal determinante desse fenômeno. Outro fator apontado pelo professor é a tradição política argentina, que sempre foi caracterizada por caudilhos.
Para os governistas, os dados indicam que Kirchner tem nas mãos os elementos para, quem sabe, liderar um terceiro movimento histórico na Argentina, como já fizeram Juan Domingo Perón (1895-1974) e o radical Hipólito Yrigoyen (1852-1833).
Entre os partidários do presidente circula a tese de que, ao eleger como sua sucessora a primeira-dama, Cristina Kirchner, o presidente teria tempo para se dedicar à formação desse movimento, sem receber críticas por eventual "uso da máquina pública". O embrião da nova tendência seria a aliança já existente entre parte do peronismo e os chamados "radicais K" (governadores que, embora membros da União Cívica Radical, adversária histórica do peronismo, hoje apóiam o presidente).
Em outubro haverá eleições presidenciais, e Kirchner faz mistério sobre se ele ou Cristina será o candidato da situação.
A pesquisa também destaca que, apesar de estar no último ano de mandato, a imagem positiva de Kirchner está subindo.

Equilíbrio e prudência
No último dia 24, aniversário do golpe que deu início à ultima ditadura militar argentina, em 1976, Kirchner fez um discurso inflamado e acusou a Justiça de demorar muito para julgar os processos contra ex-repressores, uma das principais bandeiras políticas de seu governo.
O presidente se dirigiu a um tribunal de instância intermediária, mas suas reclamações repercutiram na Corte Suprema. A corte pediu que Kirchner atue com "equilíbrio e prudência" e "respeite a independência do Poder Judiciário".
O presidente respondeu: "Não tenho a intenção de invadir nenhum poder. Imprudência são as causas [já julgadas em primeira instância] paradas [devido a recurso] há quase quatro anos."
"Nos últimos 40 anos, incluindo os dos governos autoritários, nunca vi uma intromissão na Justiça como esta", rebateu Alfredo Bisordi, presidente do tribunal penal citado expressamente por Kirchner. O governo respondeu pedindo que o juiz renunciasse.
Após o bate-boca, Bisordi acabou pedindo licença por 30 dias. Ele e outros três juízes são acusados -por 61 pessoas que esperam decisões relacionadas à violação de direitos humanos na ditadura- de atrasar processos.


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