São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

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Corte corre contra o tempo para julgar genocidas de Ruanda

Tribunal instalado na Tanzânia é patrocinado pela ONU, que pôs o fim deste ano como prazo para encerramento dos trabalhos

Desde 1994, ocorreram 37 julgamentos; 42 ainda aguardam sentenças sobre sua responsabilidade no extermínio de 1 milhão


FÁBIO ZANINI
EM ARUSHA (TANZÂNIA)

Há longos 14 anos, dentro de salas apertadas de um centro de convenções em Arusha, norte da Tanzânia, juízes em togas vermelhas e promotores com perucas brancas buscam fazer justiça ao 1 milhão de mortos no genocídio de Ruanda.
Eles correm contra o tempo para encerrar suas atividades até o fim deste ano, como cobra a patrocinadora da corte internacional para os crimes contra a humanidade, a ONU.
Dos 92 indiciados como organizadores do genocídio -um primeiro-ministro e 15 ministros, além de líderes militares, empresariais, religiosos e da mídia-, somente 37 foram julgados desde 1994 (dos quais 32 condenados e 5 absolvidos).
Outros 42 ainda precisam receber seu veredicto nos pouco mais de seis meses que faltam até o prazo final. Os demais 13 estão foragidos (e poderão ser julgados em qualquer tempo se forem capturados).
Por isso, o ritmo nas salas do centro de convenções de Arusha é frenético. Até quatro julgamentos simultâneos ocorrem.
"O tribunal está fazendo todos os esforços para completar os casos até dezembro. Não estamos correndo apenas por correr. Não iremos comprometer a integridade, a justiça e o processo legal dos julgamentos", diz Roland Amoussouga, diretor de planejamento estratégico do tribunal.
A fila de casos pendentes em Arusha é só parte da empreitada gigantesca que é fazer justiça num caso como esse. O genocídio envolveu não algumas dezenas de pessoas, mas literalmente milhares que atenderam ao chamado do "poder hutu".
Em Ruanda, 818 mil pessoas, ou cerca de 10% da população, foram em algum momento investigadas nos últimos 14 anos por participação. Dessas, 120 mil foram indiciadas e 20 mil ainda precisam ser julgadas por cortes tradicionais, as "gacacas".

Jornalistas e compositor
No caso da corte da ONU, a lista de julgados inclui o ex-primeiro-ministro do governo extremista, Jean Kambanda, que pegou prisão perpétua, o primeiro caso na história de um chefe de governo condenado por genocídio.
Outros precedentes estabelecidos pelo tribunal são a definição de estupro em massa como instrumento de genocídio e o estabelecimento de limites para a liberdade de expressão para os casos de apologia aos crimes contra a humanidade.
Isso porque rádios e jornais foram fundamentais na instigação de cidadãos comuns a participar da matança. Quatro jornalistas já foram condenados. Simon Bikindi, um compositor popular que escreveu músicas exortando ataques aos tutsis, aguarda julgamento.
O tribunal já consumiu cerca de US$ 1 bilhão desde seu início. A pressão para uma conclusão definitiva tem levado a alguns procedimentos controversos, como a limitação do número de testemunhas que os advogados podem apresentar.
"Nos primeiros anos, era comum haver até cem testemunhas para cada caso. Agora, é algo entre 20 e 25", diz Tim Gallimore, porta-voz da promotoria.
Além disso, nas sessões que a Folha acompanhou, advogados de defesa rotineiramente tinham a palavra cortada por juízes impacientes com a demora na argumentação.
Reservadamente, já se admite que o objetivo de terminar tudo até dezembro não será cumprido e que alguns casos devem invadir 2009. Além disso, julgamentos de recursos podem ocorrer até 2010. Isso demandará mais dinheiro e mais paciência da comunidade internacional -e dos ruandeses.


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