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Em julgamentos comunitários, cidadãos decidem se vizinhos são culpados ou não
EM KIGALI (RUANDA)
Domingo de manhã numa sala de aula no distrito de Gikondo, em Kigali, e dois acusados
de participação no genocídio
estão sentados na primeira fila,
vestindo uniformes de presidiário cor-de-rosa que lembram camisolões de hospital.
À sua frente estão cinco "juízes" e ao seu redor cerca de cem
moradores da comunidade.
Eles ajudarão os juízes a condenar ou não os réus.
Está em curso uma gacaca,
uma inovação do sistema judicial ruandês. Por séculos, essas
cortes comunitárias ajudaram
a resolver disputas como roubo
de gado ou invasão de propriedade (o termo significa "grama"
no idioma local, em referência
ao fato de que os julgamentos
eram a céu aberto).
No fim da década passada, o
governo ressuscitou o sistema
para julgar crimes contra a humanidade. O argumento: se só
fossem usadas cortes formais,
seriam precisos mais de cem
anos para os 120 mil acusados.
Cerca de 12 mil gacacas foram formadas, com juízes eleitos pela comunidade, as mesmas onde moravam os acusados e onde os crimes ocorreram. Por isso, muitas vezes são
vizinhos julgando vizinhos.
Nas gacacas, o protocolo de
um tribunal é substituído por
um ambiente que lembra uma
assembléia de condomínio,
com berros e dedo na cara.
Na sessão que a Folha acompanhou, Jean Baptiste, um tipo
magro, ar de intelectual e óculos de aro fino, se defendia da
acusação de ter matado um estudante universitário.
"Eu não conhecia esse estudante...", justifica-se o acusado,
ao que um dos juízes interrompe, dedo em riste: "Era um genocídio! Você não precisava conhecer! Bastava que ele fosse
tutsi, e você, hutu!".
O julgamento é fortemente
enviesado contra o acusado,
que não tem testemunhas de
defesa nem advogado para enfrentar uma platéia hostil.
"Se vocês encontrarem uma
pessoa que me viu matando o
estudante, eu me calo. Mas
achem essa pessoa primeiro",
desafia Jean Baptiste. Após
duas horas, a sessão é adiada.
Os acusados, escoltados por
dois policiais armados com fuzis, seguem de volta para suas
prisões, à espera da decisão.
(FZ)
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