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Novos rebeldes desafiam poder na China
Jovens, que não aprenderam na escola o que houve há 20 anos na praça da Paz Celestial, reavivam contestação ao governo
Ícones do movimento, ainda modesto, são garçonete que matou político que tentava estuprá-la e rapaz que se vingou de torturadores
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
O site Youtube está bloqueado na China, e imagens do estudante que tentou impedir sozinho a chegada de tanques à praça da Paz Celestial são desconhecidas pela maioria no país.
O massacre que reprimiu os
protestos por democracia, em
Pequim, deixando 241 mortos,
segundo cifras oficiais, ou até
7.000, de acordo com algumas
estimativas independentes, faz
20 anos nessa quinta-feira e se
tornou o maior tabu nacional.
A China é outra: a renda per
capita cresceu dez vezes e a luta
por democracia desapareceu
dos grandes debates nacionais.
Mas, às vésperas do aniversário da tragédia, multiplicam-se
os casos de rebeldia de jovens
contra os abusos do poder.
Uma geração que nunca
aprendeu na escola o que aconteceu naquela praça começa a
organizar "passeatas virtuais"
na internet, apesar da censura.
É ação de uma minoria, que
destoa da despolitização da juventude chinesa após 1989.
Heroína instantânea
A garçonete Deng Yujiao, 21,
virou heroína instantânea para
milhares de jovens depois de
matar, há duas semanas, um figurão do Partido Comunista
que tentava estuprá-la em um
karaokê na Província de Hubei,
centro-leste da China.
A moça foi presa na hora -a
polícia disse que havia remédios antidepressivos em sua
bolsa, que o crime havia sido
premeditado, e autoridades
cassaram a licença dos advogados que queriam defendê-la.
A novidade é a reação à atitude da polícia e da Justiça chinesas. Estudantes da Universidade das Mulheres, de Pequim, fizeram uma performance em
homenagem a Deng.
O vídeo da performance na
internet recebeu 100 mil comentários a favor de Deng até
anteontem. A pressão tomou
proporção tal que, na véspera,
Deng já havia sido solta.
No início do mês, um rapaz
de 25 anos foi morto enquanto
cruzava uma faixa de pedestres,
atropelado por estudantes que
disputavam um racha.
Os criminosos são filhos de
ricas famílias de Hangzhou,
com bons contatos no Partido
Comunista. A polícia disse que
os carros iam a "apenas 70km/
h", e o Departamento de Propaganda local determinou que a
mídia ignorasse o assunto.
Grandes vigílias exigindo justiça foram organizadas e centenas de blogs se encarregaram
de espalhar o encobrimento.
Em 2008, Yang Jia, 28, matou seis policiais com um punhal -ele alegou que havia sido
preso e torturado por não ter a
licença de sua bicicleta. Antes,
tentou entrar com um processo
contra os policiais, arquivado
imediatamente.
Yang condenado à morte -o
escritório dos advogados que
tentaram defendê-lo foi fechado pela Justiça, e a mãe de
Yang, testemunha da tortura,
ficou detida por seis meses. Só
foi libertada depois que seu filho foi executado. Manifestações no tribunal e milhares de
comentários em blogs defenderam a ação violenta de Yang
contra o abuso policial.
Mais cínicos
"É perigoso que uma sociedade inteira seja obcecada por
política, mas é patético quando
toda a sociedade é alienada",
disse à Folha o advogado Pu
Zhiqiang, 44.
Pu foi um dos líderes da greve de fome que os estudantes
organizaram em maio de 1989
na praça da Paz Celestial, que
angariou apoio ao movimento
pró-democracia e ajudou a desencadear a reação do governo
que acabaria no massacre. "Ficamos cínicos, mas a demanda
por mais justiça é animadora."
A elite universitária deixou
de ser foco de agitação pró-democracia 20 anos depois.
O diretor do Centro de Estudos Chineses e Globais da Universidade de Pequim, Pan Wei,
diz que a democracia com eleições e múltiplos partidos "só
traria caos e agitação à China".
"Não temos grandes tensões
entre ricos e pobres, patrões e
proletários, zona urbana e rural. Mas uma campanha eleitoral precisa de agitação, levanta
tensões adormecidas. Nosso
sistema é melhor", afirma.
Mesmo com a ação dos novos
rebeldes, algumas coisas não
mudam. Na última semana, 12
advogados reconhecidos por
defender os direitos humanos
tiveram suas licenças cassadas.
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