São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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Iniciativa americana visa a atingir público doméstico, diz especialista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A criação do Escritório de Comunicações Globais responde a anseios domésticos e não deve ter como real objetivo melhorar a imagem internacional do EUA.
A análise é de Charles Tilly, historiador, especialista em relações internacionais da Universidade Columbia (EUA) e autor de, entre outros, "Stories, Identities and Political Change" (história, identidades e mudança política).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.

Folha - Como anda a imagem internacional dos EUA?
Charles Tilly -
Ela se deteriora por conta do comportamento do governo dos EUA no que se refere a assuntos que interessam à comunidade internacional. O problema é que a atual administração não pára de atacar acordos internacionais importantes e delicados, como a Convenção contra a Tortura, e é unilateralista.

Folha - O antiamericanismo se intensificou após a campanha militar no Afeganistão?
Tilly -
Sem dúvida. Afinal, durante o governo de Bill Clinton, embora também tenham tomado posições unilateralistas, os EUA ao menos consultavam seus aliados da Otan a esse respeito.
Contudo, após 11 de setembro último, Washington passou a pensar que não tinha mais de preocupar-se com os outros países. Isso poderá criar problemas reais com os países europeus, pois eles acabarão se unindo contra as políticas americanas que afetam questões delicadas, como o Tribunal Penal Internacional.

Folha - A iniciativa atual é uma novidade geopolítica?
Tilly -
Não creio que seja verdade que o governo dos EUA não tenha noção de sua imagem internacional. É indiscutível que a sociedade americana é um pouco alienada, porém seu governo não é.
Nos anos 50, CIA já enviava agentes à Europa para falar com especialistas a respeito de um crescente antiamericanismo. À época, as autoridades americanas já pensavam que a Europa não entendia o que os EUA eram.
Nos anos 50 e 60, duas coisas preocupavam os EUA nesse âmbito. Primeiro, que a França, comandada por Charles De Gaulle, e que a Alemanha Ocidental pudessem começar a operar de modo independente da política externa americana. Os EUA temiam que eles pudessem se opor à Otan e à política externa americana.
Segundo, havia a preocupação de que alguns países pudessem ser passivos em relação ao comunismo. Como havia partidos comunistas ativos na França e na Itália, isso gerou o medo de que houvesse um recrudescimento do antiamericanismo na Europa.
Assim, não é a primeira vez que agências governamentais americanas se preocupam com o crescimento do antiamericanismo.

Folha - O sr. crê que essa iniciativa possa realmente surtir efeitos positivos?
Tilly -
Não creio que esse tipo de iniciativa possa surtir o efeito oficialmente esperado. Acredito que ela vise a atingir o público interno. Não creio que, realmente, ela tenha como objetivo melhorar a imagem do país. A história mostra que esse tipo de iniciativa busca atingir o público doméstico.



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