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Após desastre, Japão quer mudanças

Por NORIMITSU ONISHI e MARTIN FACKLER

TÓQUIO - Num ato de rebelião direta contra a Tokyo Electric Power Company (Tepco), proprietária da danificada usina nuclear de Fukushima, a prefeitura de Tóquio está agilizando a construção de uma usina de gás natural para gerar tanta eletricidade quanto o reator nuclear.

A usina está prevista para garantir um suprimento estável de eletricidade para a capital, após os derretimentos nucleares de março na usina de Fukushima Daiichi. Mais importante, porém, diz a prefeitura, é que ela poderá incentivar mudanças de que o Japão precisa muito. Ao enfraquecer a Tepco, os reformistas esperam finalmente romper a peça fundamental do conluio entre empresas e governo que, no passado, moveu a rápida ascensão japonesa do pós-guerra, mas que hoje conserva o país atolado na estagnação.

"Agora é nossa chance", disse Naoki Inose, o vice-governador de Tóquio, evocando um provérbio que fala em atacar um cachorro do mato depois que ele caiu num rio. "Em 11 de março, a Tepco se tornou o cachorro que caiu no rio. Apenas depois disso é possível combater um adversário tão temível."

Um adversário tão temível que, oito meses apenas depois de líderes japoneses terem prometido que o desastre nuclear levaria a uma espécie de renascimento, as chances de transformações fundamentais estão se perdendo.

Os reformadores já perderam um aliado crucial: Naoto Kan, que, como primeiro-ministro, lançou um chamado pelo fim da energia nuclear e em favor de grandes mudanças no setor energético. Ele foi afastado com a ajuda do mais poderoso lobby corporativo do Japão, um partidário fiel da Tepco que, como muitos integrantes do establishment japonês, vem se beneficiando da generosidade da empresa.

Mais anos perdidos?

"Nos primeiros meses após o acidente, pensei que houvesse uma chance real de mudanças, mas agora o ímpeto de converter Fukushima em oportunidade para reformas está perdendo força", disse Hiroshi Okumura, economista e autor de "Dismantling Tepco" (Desmontando a Tepco). "É muito grande o risco de a década perdida do Japão, que se converteu nos 20 anos perdidos, agora se tornar os 30 anos perdidos."

No Twitter, Hiroshi Mikitani, empreendedor cuja empresa Rakuten, fundada há 14 anos, tornou-se o maior shopping center online do Japão, disse que "o monopólio das empresas de eletricidade e outras de serviços públicos e o conluio entre políticos, burocratas, empresas e a mídia" estão impedindo a desregulamentação.

Os setores que apóiam a indústria energética argumentam que a desregulamentação só vai prejudicar o país e a culpam por provocar blecautes em países com mercados desregulamentados, como os Estados Unidos.

O sinal mais claro até agora de que Kondo e seus aliados parecem estar em posição de força foi a decisão recente do governo de injetar US$ 11,5 bilhões na Tepco, na primeira de muitas injeções de dinheiro que serão necessárias para manter a empresa solvente e ajudá-la a pagar indenizações para as 90 mil pessoas obrigadas a abandonar suas casas em áreas próximas a Fukushima Daiichi.

O resgate, que protege os acionistas e credores da Tepco, quase certamente vai exigir a elevação das tarifas elétricas. Até agora o governo vem pedindo muito pouco em troca.

Caro para os consumidores

O Japão é quase o único entre os países industrializados que ainda não desregulamentou sua grade energética. E as empresas de eletricidade são autorizadas a definir as tarifas de acordo com um sistema complexo que abrange uma grande gama de despesas em muitos casos pouco claras. Quanto mais a empresa gasta, mais ela pode cobrar.

De acordo com uma comissão governamental que investiga a administração da Tepco, a política, que visou fomentar uma estratégia nacional de desenvolvimento da energia nuclear, teve o efeito previsível de incentivar a Tepco a gastar demais. A comissão descobriu que a Tepco -cuja receita líquida em 2009 foi de US$1,7 bilhão e cujas 192 usinas elétricas fornecem a eletricidade consumida por um terço do Japão- tinha uma grande rede de firmas relacionadas entre as quais distribuía contratos de valor inflado. Algumas dessas firmas arranjavam negócios com grandes empresas manufatureiras.

A Tepco doou valores altos a campanhas de levantamento de fundos para políticos, fez doações para pesquisas acadêmicas e ofereceu empregos lucrativos a burocratas depois de eles se aposentarem de ministérios governamentais e da polícia nacional.

"É um sistema incrível", falou Kaichiro Shimura, autor de "The Tepco Empire" (O império da Tepco) e ex-repórter de jornal que cobriu a Tepco. "Os únicos que saem perdendo são os consumidores."

Poucos contestavam a Tepco, mesmo quando ela se tornou o ator principal no establishment nuclear japonês, conhecido como "a aldeia da energia nuclear".

"A Tepco está ao centro de um conluio", falou Takeshi Sasaki, ex-reitor da Universidade e Tóquio. "Não é possível reformar a aldeia da energia nuclear sem primeiro reformar a Tepco." Toshio Nishizawa, o executivo-chefe da Tepco, negou que sua empresa exerça influência desmedida.

Uma tentativa de abertura

No papel, boa parte do setor energético do Japão foi desregulamentado nos últimos dez anos. Mas o caráter vazio dessa desregulamentação, que vem ficando mais e mais evidente desde o desastre de Fukushima, ressalta as dificuldades que os desafiadores atuais enfrentam.

Em um esforço para romper os monopólios virtuais das empresas de serviço público, 60% do mercado de eletricidade do Japão foi aberto até 2005 para chamados produtores e fornecedores energéticos -empresas que atuam como corretoras, comprando eletricidade (principalmente de empresas manufatureiras que geram sua própria eletricidade) e vendendo-a a fregueses comerciais. Um mercado, a Japan Electric Power Exchange (JEPX), ou Bolsa de Energia Elétrica do Japão, foi criado para possibilitar o comércio atacadista.

Mas, apesar da oferta de tarifas que em muitos casos são um terço mais baratas que as das empresas de serviço público, as companhias, que dependem das linhas de transmissão das empresas públicas, até agora capturaram apenas 2% do mercado. Relutantes em perder clientes para as novas companhias, as empresas de serviço público dificultam o acesso a suas redes de transmissão.

Quando a usina nuclear de Fukushima deixou de operar, em março, deixando a Tepco impossibilitada de suprir a região de Tóquio com eletricidade suficiente, as novas companhias acharam que isso abria uma oportunidade para elas. Ao invés disso, o governo ordenou que todos os clientes reduzissem seu consumo de eletricidade em 15%.

Isso concretamente deixou as novas companhias com um excedente de oferta de 15%. Mas o governo propôs uma solução: que vendessem seu excedente à Tepco. A Ennet, a maior das novas companhias, foi forçada a vender sua eletricidade diretamente à Tepco por um preço mais baixo do que cobrava de seus próprios clientes.

Sob outra tentativa anterior de desregulamentação, as outras empresas de serviço público foram autorizadas a competir contra a Tepco e entre elas. Mas elas rejeitaram a oferta, preferindo manter intactos seus monopólios.

As que possuíam usinas nucleares chegaram a concordar em contribuir com US$ 90 milhões para o socorro à Tepco. O resgate foi feito para proteger a empresa, mas o problema é que não diz respeito apenas a uma empresa.

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