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Análise

O maior teste da primavera árabe

Cautela é a doutrina de Obama

Bulent Kilic/Agence France-Presse—Getty Images
EUA dizem que a composição da oposição Síria é pouco conhecida e que ela não controla território para onde fornecer armas
EUA dizem que a composição da oposição Síria é pouco conhecida e que ela não controla território para onde fornecer armas

Por DAVID E. SANGER

WASHINGTON - Armem os rebeldes sírios! E deem bombas poderosas e aviões de reabastecimento aos israelenses para que eles possam atacar as instalações nucleares do Irã.

Ambas as propostas ecoam em Washington. O apelo para que os EUA nivelem o campo de jogo contra o governo sírio -que tem recebido armas da Rússia e do Irã- partiu dos senadores John McCain e Lindsey Graham. A ideia de reforçar a credibilidade da ameaça israelense contra as dispersas instalações nucleares iranianas surgiu em vários quadrantes, de pré-candidatos presidenciais republicanos a instituições de pesquisas segundo as quais o governo Obama ainda não transformou o bordão "todas as opções estão sobre a mesa" em uma ameaça crível.

Até agora, a Casa Branca não respondeu aos pedidos para armar os rebeldes sírios e é vaga sobre quais tecnologias compartilha com Israel. O cálculo estratégico nos dois casos é bastante diferente. Uma intervenção humanitária na Síria se tornaria sinônimo de um movimento para orquestrar uma mudança de regime, assim como ocorreu com a ação militar na Líbia. Já a ajuda a Israel passa por gerir uma disputa entre Washington e Jerusalém a respeito de qual seria a maneira mais eficaz -bombas, sanções ou ações secretas- para conter as ambições nucleares do Irã.

Num mundo pós-Iraque, pós-Afeganistão e pós-Líbia, a reação da Casa Branca a ambas as propostas revela as condições sob as quais o presidente estaria disposto a usar a força, ou vê-la ser usada por terceiros. Mas também lança luz sobre esse conceito difuso que o governo se nega a chamar de Doutrina Obama.

Na cabeça de muitos assessores presidenciais, nada iria abalar tão rapidamente o potencial do Irã para causar problemas na região quanto a perda de Bashar Assad, o brutal presidente sírio, como único aliado dos mulás no mundo árabe. O argumento ouvido nos últimos dias na Casa Branca é que, se o governo de Assad cair, a capacidade iraniana de canalizar armas para o Hizbollah e o Hamas será afetada -e sua influência minguará. E, se o esforço do Irã para desenvolver armas atômicas for retardado com a mobilização estratégica de algumas bombas "arrasa-bunker" GBU-31, as esperanças iranianas de desafiar Israel e a Arábia Saudita pelo posto de potência regional serão adiadas.

Na Líbia, Obama, em vez de armar os rebeldes, preferiu aderir a uma campanha aérea da Otan. Na Síria, onde de acordo com a maioria das estimativas o número de morto já ultrapassa os 7.500, não existe um equivalente à operação da Otan; até agora, uma intervenção limitada para estimular um golpe ou criar uma "zona de segurança" para os civis sírios perto da fronteira com a Turquia ainda está em fase de discussão. Por isso, fornecer armas parece ser a segunda melhor opção. Mas há temores de que o movimento sírio de protesto tenha se transformado, como descreveu o especialista Steven Heydemann, do Instituto da Paz dos Estados Unidos, em um "conjunto perigoso e descoordenado de combatentes oposicionistas armados".

Quanto a Israel, não existe aliado mais incondicional dos EUA e suas Forças Armadas são vistas como uma das mais disciplinadas do mundo. Mas Obama agora enfrenta o mesmo dilema que George W. Bush viveu em 2008, quando os israelenses solicitaram armas e aviões para um ataque amplo e sustentado contra as instalações nucleares do Irã.

O então vice-presidente Dick Cheney, que defendia um ataque americano a um reator nuclear da Síria (os israelenses agiram quando Bush refugou), propôs que Israel recebesse tudo o que precisasse. A assessoria de segurança nacional de Bush, porém, concluiu que, se os israelenses recebessem a tecnologia, isso elevaria as chances de que eles a usassem -com risco de uma guerra no Oriente Médio. A equipe de Obama chegou à mesma conclusão.

"Tudo isso tem a ver com guiar os israelenses para uma escolha que provavelmente retarde o projeto iraniano sem estimular o tiro pela culatra de um bombardeio aéreo", disse um assessor presidencial. O governo argumenta que uma mistura moderada de sanções e ações clandestinas seria mais eficaz.

O que nos leva à Doutrina Obama. Aparentemente, o presidente está disposto a usar a força unilateral quando os interesses nacionais diretos dos EUA estiverem ameaçados -a caçada a Bin Laden foi o exemplo mais vívido. Mas, quando a ameaça é mais difusa, mais uma questão de preservar a ordem global, seu histórico mostra que ele insiste nas resoluções da ONU e na participação de muitos aliados.

Isso explica por que os israelenses se esforçam tanto para provar que em poucos anos o Irã poderá ter um míssil capaz de atingir os EUA -eles querem encaixar o Irã nessa primeira categoria. E isso explica a hesitação de Obama em entrar numa guerra civil na Síria, onde os interesses americanos são, no máximo, indiretos.

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