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Revolta síria cria risco de conflito mais amplo em região estratégica

Por STEVEN ERLANGER

Paris

Enquanto os mortos se acumulam na Síria e que a diplomacia não consegue frear a violência, torna-se clara a diferença entre esse conflito e as outras revoltas da Primavera Árabe.

"A Síria é praticamente o único país onde a chamada Primavera Árabe pode mudar o conceito estratégico da região", explicou o francês Olivier Roy, historiador de Oriente Médio. Como exemplo contrário, ele citou o Egito e a Tunísia, onde os novos líderes parecem manter alianças e posições geopolíticas semelhantes às do passado. "Na Síria, porém, se o regime for deposto, teremos uma paisagem completamente diferente", disse Roy

Nos meses passados desde que os sírios começaram a se insurgir, o país já se tornou palco de um embate "por procuração" entre as maiores potências da região e de fora dela, colocando russos, americanos e seus respectivos aliados em lados opostos, escalando as tensões sectárias entre xiitas e sunitas e aprofundando o abismo entre o Irã, a Arábia Saudita e os países do Golfo Pérsico. A situação deixou Israel com esperança de que um inimigo caia, mas preocupado com quem poderá assumir o controle de seu arsenal.

"A Síria não poderia ter localização mais estratégica e a perspectiva de deixar que seja travada uma guerra civil total é incrivelmente perigosa", disse Anne-Marie Slaughter, professora da Universidade Princeton, de Nova Jersey, e ex-diretora de planejamento de políticas do Departamento de Estado.

Para a Rússia, a queda do presidente Bashar Assad, seu aliado e comprador de armas, reduziria sua influência na região.

Para os Estados Unidos, o conflito representa um conjunto de riscos e contradições que já levou Washington a adotar postura muito mais cautelosa do que a que assumiu com a Líbia, frustrando os setores que defendem uma intervenção mais robusta.

A secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, já disse que qualquer comparação entre a Síria e a Líbia seria uma "analogia falsa". No sentido mais amplo, a Líbia podia ser vista como caso estratégico secundário, à margem do despertar árabe, enquanto a Síria ocupa o centro do palco. A repressão movida por Assad, que já resultou na morte de pelo menos 7.500 civis, gerou um dilema moral em torno da intervenção. Se proteger civis é uma parte nova e legítima da lei internacional, por que se aplicaria à Líbia e não à Síria?

Para Washington, a Europa e os sunitas da Arábia Saudita e do Golfo, o impacto sobre o Irã é tão importante quanto o destino de seu aliado próximo, Bashar Assad. O Irã vem dando dinheiro, armas e conselhos ao governo de Assad, dizem funcionários de inteligência de dois países ocidentais.

Um novo governo sírio seria um golpe maior contra a influência iraniana do que quaisquer sanções.

Isso também poderia reacender os protestos democráticos no Irã. Mas a administração dos EUA exclui qualquer intervenção militar. O presidente Obama não quer nenhuma aventura nova em um ano eleitoral. O Pentágono tampouco o quer, especialmente em vista do sistema de defesa antiaérea da Síria, fornecido pela Rússia.

Autoridades americanas também apontam para a incoerência pouco transparente da oposição armada a Assad e observam que o Exército Livre Sírio, formado por oficiais exilados e desertores do Exército sírio e por milicianos, não controla um território específico na Síria onde se pudesse efetuar um fornecimento de armas.

Para Volker Perthes, estudioso alemão da região e diretor do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, a questão central agora é como acelerar o que muitos já veem como sendo a queda inevitável do governo de Assad, sem mergulhar a sociedade numa guerra civil.

"Armar os rebeldes e desencadear uma guerra civil resultará no prolongamento do regime", opinou Perthes. "Uma guerra de verdade é o que Assad realmente deseja, porque isso lhe permitiria superar a relutância da grande maioria das Forças Armadas em lutar de fato."

À medida que a Síria mergulha mais fundo na turbulência, não há alternativa pronta à disposição de Bashar Assad. O Conselho Nacional Sírio ainda está tentando ampliar sua representação, consolidar sua credibilidade no país e melhorar laços com o Exército Livre Sírio.

Bassma Kodmani, membro do conselho-executivo do Conselho Nacional Sírio, disse que, com o aumento das mortes em Idlib e Homs, incluindo as de pelo menos dois jornalistas ocidentais e um blogueiro sírio, a posição do conselho está mudando em direção a incentivar uma intervenção estrangeira, por mais dolorosa ela possa ser.

"Estamos muito próximos de compreender que uma intervenção militar pode muito bem representar a única solução", disse ela. "Há dois males: intervenção militar ou guerra civil prolongada."

Mas a Rússia, que se queimou na Líbia, disse que vai vetar qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU autorizando o uso da força na Síria.

Em Túnis, países que se descreveram como "Amigos da Síria" -menos Rússia e China- se reuniram com o Conselho Nacional Sírio no final de fevereiro para discutir o que autoridades americanas descrevem como "passos adicionais" e "opções adicionais" contra o governo do ditador Assad, incluindo chamados por um cessar-fogo imediato, o fornecimento de ajuda humanitária e o estabelecimento de uma força de paz da ONU no país.

O governo sírio não demonstração disposição alguma em ceder. Embora haja sinais de desintegração do controle central, com apenas uma minoria nas forças armadas disposta a atirar sobre cidadãos desarmados, as forças militares e de segurança, em sua maioria, se mantêm firmes.

As sanções estão prejudicando fortemente a classe empresarial que apoia o governo. Recentemente um alto funcionário sírio de segurança tirou sua família do país, enquanto um membro da grande família Assad transferiu recursos para o exterior, disse um funcionário sênior da administração Obama.

Mas, quanto mais tempo Assad de mantiver agarrado ao poder, mais pessoas vão morrer. Isso inevitavelmente fará com que qualquer transição política seja sangrenta, com risco maior de assassinatos por vingança e ataques contra as minorias no país que vêm dando apoio ao governo, incluindo os muçulmanos alauítas e os cristãos.

"A janela para uma transição pacífica está se fechando", disse o funcionário sênior da administração americana. "Hoje é mais uma questão do que acontece depois que ele cair. Será que conseguirá cair em pouco tempo, de modo que as queixas não virem feridas infeccionadas?"

Com reportagem de correspondentes do "New York Times" em Bagdá, Jerusalém, Pequim, Moscou, Washington, Dacar, Londres, Berlim e Paris

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