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Europa investiga seu passado comunista

Por NICHOLAS KULISH

VARSÓVIA - Apesar de tudo o que a Polônia fez desde a queda da Cortina de Ferro, há muito tempo ela resiste a acertar a conta com seu passado comunista -a opressão, a espionagem e até os massacres. A sociedade preferia esquecer, seguir em frente.

Mas hoje a Polônia e muitos de seus vizinhos da Europa Central e Oriental decidiram que é hora de enfrentar os assuntos não resolvidos. De repente, existe uma onda de responsabilização na forma de ações do governo e de empreitadas culturais, algumas buscando uma conclusão, outras atrás de formas de indenização.

Em janeiro, um tribunal da Polônia decidiu que os líderes comunistas por trás da imposição da lei marcial, em dezembro de 1981, faziam parte de um "grupo criminoso". O presidente da Bulgária está tentando expurgar embaixadores que serviram como agentes de segurança. O governo da Macedônia caça ex-colaboradores e a nova Constituição da Hungria prevê ações legais contra ex-comunistas.

Em 19 de fevereiro, a chanceler alemã Angela Merkel nomeou como próximo presidente um ex-pastor e ativista da Alemanha Oriental, Joachim Gauck, que transformou os documento do Ministério da Segurança Estatal -mais conhecido como Stasi- em um arquivo aberto ao público.

"Para nos defender no futuro contra outros regimes totalitários, precisamos compreender como funcionaram no passado, é uma vacina", disse Lukasz Kaminski, presidente do Instituto da Memória Nacional da Polônia.

Reconciliar-se com o passado é uma questão que pairou sobre a Europa pós-comunista durante décadas. Hoje essa experiência tem maior ressonância global, servindo como ponto de discussão em todo o mundo árabe, onde as revoltas derrubaram antigos ditadores, levantando questões desconfortáveis sobre a cumplicidade de indivíduos com regimes autocráticos.

Na Polônia, quase um milhão de pessoas assistiram ao filme "Quinta-feira Negra", de Antoni Krauze, que explora um episódio de 1970 quando tropas do governo dispararam contra dezenas de manifestantes em Gdynia e outras cidades na costa báltica da Polônia. Krauze levou quatro décadas para terminar o filme. Primeiro, ele temia os censores comunistas, depois foi desencorajado pela apatia do público. O filme foi um sucesso no ano passado exatamente por causa do tema perturbador: manifestantes desarmados são alvejados por tiros nas ruas ou espancados sadicamente em delegacias.

"No início dos anos 1990, as pessoas pensavam que não era certo voltar àqueles tempos", disse Krauze, 72.

A Polônia está lidando com seu passado em diversas frentes. Depois de anos de ação legal, o tribunal que julgou os líderes comunistas a partir de 1981, quando a lei marcial foi imposta, deu apenas uma sentença de dois anos, suspensa, para o ministro do Interior na época, general Czeslaw Kiszczak. O general Wojciech Jaruzelski, ex-líder comunista da Polônia que declarou a lei marcial, foi considerado medicamente incapaz de ir a julgamento.

Durante as recentes manifestações na Romênia, placas e slogans dos manifestantes em Bucareste compararam o cada vez menos popular e, segundo os críticos, mais autoritário presidente Traian Basescu com o ditador deposto Nicolae Ceausescu.

Na Alemanha, agentes da inteligência doméstica têm observado dezenas de membros do Parlamento do Partido de Esquerda, que inclui elementos do ex-Partido de União Socialista, que governou a antiga Alemanha Oriental. "Que eles ainda estejam seriamente fazendo isto em 2012, realmente me surpreendeu", disse Gregor Gysi, chefe do grupo parlamentar Partido de Esquerda.

Na maioria dos casos, essas revoluções não foram golpes completos. As autoridades comunistas se afastaram, mas sob condições. Na Polônia, o retorno dos pós-comunistas ocorreu ainda mais rapidamente do que na Hungria, com a vitória da Aliança Democrática de Esquerda em 1993, reforçando divisões na sociedade polonesa entre os que estão dispostos a seguir em frente e os que não conseguem.

"Eu esperava uma espécie de Nuremberg para o comunismo", disse Tadeusz Pluzanski, cujo pai foi torturado pela polícia secreta comunista. "Não houve revolução", disse, "apenas um processo de transformação."

O Instituto da Memória Nacional na Polônia realizou conferências e publicou mais de 800 títulos sobre a ocupação nazista e o período comunista.

Quando Krauze filmou em Gdynia em 2010, descobriu o forte apoio ao projeto entre a população local: voluntários apareciam para limpar a neve, autoridades locais eram solícitas e as empresas dispensavam taxas de locação. "Você podia ver que as pessoas queriam que essa história fosse contada", disse Krauze.

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