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Delícia proibida anima festa tibetana

Por JULIA MOSKIN

Quando Chime Doma e suas três irmãs eram crianças, preparar "sha momos" -um suculento pastel de carne que é uma mania entre os tibetanos- era uma atividade importante e muito aguardada. "Encontrar carne não era tão fácil, mas, quando finalmente arrumávamos, toda a família ajudava a cortá-la e, então, fazia o recheio e a dobradura", disse Doma, que, como muitos tibetanos radicados nos EUA, cresceu na Índia.

Os "sha momos" são moldados como meias-luas ou trouxinhas. Embora possam ser feitos com folhas compradas prontas, a maioria das famílias tibetanas dos EUA tem um rolo de madeira para abrir a massa. No Tibete, o trigo era ainda mais escasso que a carne, então os "sha momos" eram para ocasiões especiais, como o Losar, a celebração tibetana do Ano-Novo, que começa em 22 de fevereiro e dura 15 dias.

Para um povo que conheceu a fome e o sacrifício, o Losar é uma festa construída em torno da comida e um paradoxo alimentar: embora os tibetanos sejam em sua maioria budistas e evitem tirar vidas, eles são também apaixonados por carne e os "sha momos" são seu prato nacional extraoficial.

O restaurante das irmãs em Nova York, o Tsampa, é principalmente vegetariano. Mas sempre há "sha momos" fora do cardápio. "Eles deixam os tibetanos muito felizes", disse Doma.

Até o dalai-lama tem dificuldades para adotar uma dieta vegetariana, como se espera dos líderes espirituais budistas. Muitos tibetanos dizem que os médicos o aconselharam a comer carne por razões de saúde. A tradição do consumo de carne é forte porque, sem essa fonte de gorduras e proteínas, os tibetanos não poderiam ter sobrevivido durante séculos no seu planalto frio e elevado, segundo Ganden Thurman, diretor-executivo do centro cultural Casa do Tibete, em Nova York. Além disso, afirmou ele, há uma razão budista prática para comer iaque (um bovino típico da região) em vez, digamos, de coelho.

"A carga cármica de matar um coelho e um iaque é a mesma: uma vida", disse ele. "Mas você pode alimentar muito mais gente com um iaque."

A carne de iaque pode ser dura. Os sábios cozinheiros tornaram os "sha momos" mais suculentos acrescentando um pouco de óleo e água ao recheio. Conforme o vapor penetra nos pastéis, os sumos, perfumados com cebola, coentro e gengibre, se transformam num caldo quente e saboroso.

Esse líquido brota na primeira mordida, depois da qual os tibetanos mergulham os "sha momos" em "sepen", uma pasta de pimenta. Os "sha momos" são servidos como entrada ou prato principal.

"Os momos são um dos pratos que têm no exílio quase o mesmo sabor que tinham no Tibete", disse Tsering Dolma, que trabalha em um restaurante na região de San Francisco.

Tradicionalmente, as mulheres tibetanas alimentavam suas famílias, enquanto os homens pastoreavam os animais, mas isso mudou. "Os homens tibetanos aqui estão cozinhando muito", disse Lobsang Wangdu, que vive na Grande San Francisco e tem um blog sobre comida e cultura do Tibete.

Os preparativos para o ano tibetano de 2139 começaram 15 dias antes da sua chegada. Tibetanos do mundo todo plantaram sementes de cevada para que os brotos aparecessem a tempo. As mulheres começaram a comprar óleo de canola para fritar uma massa chamada "khapse" e a fermentar cerveja de arroz e cevada.

"Você pode ter khapse doce ou salgado -o importante é empilhá-los bem alto, para fazer uma oferenda magnífica", disse o líder comunitário Norbu Lama, de Nova York.

Tradicionalmente, o Losar é uma época para reafirmar vínculos familiares e partilhar comidas, mas isso é difícil para os exilados. "Alguns dos ingredientes que usamos são os mesmos aqui", disse Dolma. "Mas ter essas coisas e estarmos juntos para fazermos os pratos não é a mesma coisa."

A região de Nova York abriga a maior comunidade tibetana nos EUA, com pelo menos 7.000 pessoas, segundo o Escritório do Tibete, em Nova York.

A maioria dos jovens tibetano-americanos nunca esteve no Tibete e não provou o chá feito com manteiga de dri (a fêmea do iaque) nem as sopas de ervas que compõem a alimentação cotidiana no país. Mesmo assim, a comida continua sendo um importante fator de unidade.

Quando viviam como nômades no seu planalto, os tibetanos costumavam ter uma dieta rica em: grãos, feijões, legumes, cebolas, batatas, nabos, carne, manteiga e queijo dos seus rebanhos de iaques. Na fronteira leste, onde o Tibete encontra a China, pimentas perfumam os pratos; no oeste, perto da Índia e do Nepal, o cominho e o "garam masala" dominam.

É a manteiga, porém, que mais agrada ao paladar tibetano, segundo Dolma. "Enquanto houver manteiga e chá, podemos viver em qualquer lugar."

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