São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

JORNAL SULANG

Quando a morte social é a antiga justiça

Uma rixa transforma uma família em pária

Por AUBREY BELFORD
SULANG, Indonésia - Made Rai calcula que tenha mais de 80 anos e não consegue explicar com segurança como sua família começou a disputa com esta aldeia na ilha de Bali. Mas ele tem plena consciência dos resultados da briga.
Se sai da residência de sua família, os vizinhos olham para outro lado e se recusam a falar com ele. Ele é proibido de entrar nos templos da aldeia, o centro da vida espiritual hindu em Bali, e quando morrer seu corpo será rejeitado no cemitério da aldeia.
Rai e dezenas de seus parentes são vítimas do kasepekang, a tradicional punição de ostracismo e exílio vigente em Bali. Em uma sociedade onde todo o ciclo de vida e religião está ligado a aldeias ancestrais, o kasepekang é comparável a uma condenação à morte social e espiritual.
"Quando perguntamos à aldeia o que fizemos de errado, eles não sabem explicar", disse o sobrinho de Rai, Ngurah Sumadi Aryawan. "Vamos ter de pedir asilo por causa disso? Somos indonésios, para onde deveríamos ir?"
O kasepekang cresceu como parte de um ressurgimento nacional dos sistemas de lei costumária desde que Suharto deixou a presidência, em 1998, após mais de três décadas de duração do regime ditatorial.
Enquanto o antigo regime concentrava o poder em Jacarta e suprimia os centros de autoridade concorrentes, a Indonésia recém-democratizada permitiu mais autonomia regional e maior obediência aos sistemas jurídicos tradicionais.
Em Bali, de religião predominantemente hindu, a mudança foi o reforço de um complexo sistema que há muito tempo mistura religião, tradições culturais e organização social. Todo balinês está ligado a uma família, que por sua vez está ligado a um conselho de bairro, ou banjar, e a uma aldeia. Os balineses são frequentemente obrigados a contribuir com dinheiro e trabalho para as cerimônias do templo e permanecem ligados a suas aldeias ancestrais mesmo depois da morte.
Qualquer um que romper a lei costumária é sujeito a uma série variável de punições aplicadas pela comunidade, que começam com multas e avançam para a execração pública e finalmente o kasepekang.
A sociedade balinesa "parece ordeira, mas na verdade é coercitiva", disse Degung Santikarma, um antropólogo balinês. "Em Bali, a cultura serve para controlar as pessoas".
Defensores do kasepekang o consideram a ponta aguçada de um sistema que é essencial para manter antigas práticas diante da globalização, do desenvolvimento econômico e do turismo de massa.
Os críticos dizem que é o contrário: um abuso moderno da tradição que sustenta as elites locais, infringe os direitos e molda a cultura balinesa em um padrão dócil, adequado ao turismo.
A disputa em Sulang começou em 1972 em um desacordo sobre castas sociais. Durante as três décadas seguintes, segundo aldeões, as tensões cresceram com uma série de rixas e discórdias. Mas foi somente após a saída de Suharto, quando Bali e outras Províncias indonésias ganharam maior autonomia, que a lei tradicional entrou em jogo, disse Sumadi, o sobrinho de Rai.
Em 2000, uma reunião do conselho tradicional da aldeia declarou oficialmente o kasepekang.
"Como ser humano, sinto pena deles. Mas a tradição é mais importante", disse Ngurah Bagus Putra, o chefe do conselho tradicional da aldeia. "Se eu tomar o lado deles, poderei ser repudiado também."
Um recente pedido ao governo distrital para intervir foi recusado por escrito, sob a alegação de que não podia interferir com a lei costumária. "Em Bali, todo problema fica enrolado na tradição, por isso a lei nacional nunca pode agir", disse Sumadi. "É uma enorme violação de nossos direitos humanos."


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