São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2010

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Devastada, Somália vê esperanças se frustrarem

Por JEFFREY GETTLEMAN

MOGADÍCIO, Somália - Existe um lugar nesta cidade devastada pela guerra que se destaca por seu silêncio e sua vegetação fértil, onde as árvores são mais antigas, repletas de cipós e com galhos que se entrelaçam sobre a rua, criando uma cobertura de folhas que filtra o sol, normalmente forte.
Aqui, as folhas parecem mais verdes e brilhantes. As gramíneas são altas e espessas, perfeitas para funcionar como esconderijo.
É a linha de frente de Mogadício. Faixa de terra de cerca de 60 metros de largura de edifícios destruídos por explosões e invadidos por mato alto, ela traça um caminho irregular através da cidade, separando o pequeno e cercado encrave (controlado pelo governo) dos milhares de insurgentes islâmicos radicais.
Mas a beleza estranha dessa faixa de terra é enganosa. De cada lado dela, centenas de homens se escondem atrás de troncos de árvores e muros lascados, olhando uns para os outros através das miras telescópicas de suas armas.
E a geografia conta uma história: a despeito de milhões de dólares vertidos pelos EUA e a ONU; apesar das divisões extremas entre os insurgentes e de eles serem fortemente criticados; apesar de o presidente da Somália, xeque Sharif Sheik Ahmed, ter chegado ao poder há mais de um ano em meio a algumas das maiores esperanças que o país nutriu em relação a um líder desde que o governo central da Somália desabou, em 1991, a linha de frente praticamente não se moveu.
Diplomatas ocidentais soam desanimados e totalmente frustrados. Quando, recentemente, foi perguntado a um deles por que a ofensiva do governo ainda não começou, ele respondeu, traindo sua decepção: "Esses caras são uns ineptos. É simples assim".
Recentemente, o edifício do Parlamento somali, situado numa área do centro de Mogadício especialmente atingida por disparos e explosões, foi repintado pela primeira vez em anos. Mas o que se vê em seu interior é confusão. Os parlamentares andam envolvidos em uma rodada de disputas internas especialmente amargas (em parte sobre o que fazer em relação ao premiê, que o presidente tentou recentemente afastar do cargo, tendo recuado em seguida).
Muitos parlamentares estão se rendendo ao discurso de Sharif Hassan Sheik Adan, comerciante de gado analfabeto e astuto que foi eleito presidente da Casa em maio. Visto como um dos homens mais poderosos do país, e próximo da Etiópia, ele parece ter pouca experiência ou interesse em construir instituições democráticas.
Alguém que se agache ao lado das tropas do governo na linha de frente observará que não há aparelhos de rádio, paramédicos, alimentos, sargentos responsáveis por transportes, capitães encarregados de reabastecimento, tenentes-coronéis ou coronéis.
As tropas se dividem entre dois homens grisalhos que se autointitulam comandantes e centenas de soldados rasos, entre os quais crianças -fato que (além da presença dos soldados mirins) traz à tona mais um problema mais que evidente: não existem escalões de comando intermediários.
Os aliados da Somália estão tentando urgentemente preencher esse vazio. A União Europeia, por exemplo, está treinando centenas de suboficiais em Uganda, procurando preparar uma espinha dorsal profissional para reforçar a base de soldados rasos da Somália.
A ideia prevalecente de que os EUA e outros países vão apoiar o governo somali de transição até o amargo fim porque têm medo da alternativa -uma Somália governada pelo Al Shabab, o principal grupo insurgente do país, abertamente alinhado com a Al Qaeda- pode estar mudando.
"Fazer menos é melhor que causar danos", escreveu Bronwyn E. Bruton em relatório especial para o Council on Foreign Relations.
"A não ser que haja mudanças decisivas na política dos EUA, da ONU e regional", ela escreveu, "a interferência externa ineficaz ameaça prolongar e agravar o conflito, radicalizar a população ainda mais e elevar as chances de a Al Qaeda e outros grupos extremistas acabarem por encontrar um refúgio seguro na Somália".


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