São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2010

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NOVA YORK

Num enclave italiano, uma fatia crescente do México


Vinda de mexicanos injeta nova vida, mas desafia velhos hábitos

Por KIRK SEMPLE

Em 1986, quando tinha 14 anos, Ramiro Cariño se esgueirou pela fronteira mexicana e chegou a Nova York. Foi morar com uma irmã mais velha na rua 187 em Belmont, o bairro conhecido como Little Italy (Pequena Itália) do Bronx.
Cariño não tinha muita certeza de onde havia pousado: a língua principal na rua era a italiana, a bandeira da Itália enfeitava as fachadas de lojas e casas, e havia restaurantes e lojas italianos por toda parte.
Atualmente, o sotaque espanhol predomina em Belmont. Os mexicanos tornaram-se um pilar social, trabalhando nas lojas ao longo da avenida Arthur e habitando os apartamentos ao redor.
Alguns abriram seus próprios negócios, de restaurantes a lojas que vendem roupas de vaqueiros mexicanos ou equipamento para futebol.
Cariño, que sobreviveu os primeiros anos no bairro recolhendo garrafas e às vezes comida das latas de lixo, abriu sua própria empresa no ano passado: El Sureño, uma pequena loja de comida e restaurante mexicano.
Com três filhos nas escolas públicas americanas, Cariño não abandonou seu emprego de cozinheiro em uma delicatessen em outra parte do Bronx. Ele trabalha lá das 6h da manhã às 16h, quando volta para seu restaurante e cozinha até as 22h.
"Eu ainda não sinto que fiz sucesso, mas quero vencer", disse Cariño. Então, falando sobre as vitórias de seus conterrâneos em Belmont, ele acrescentou: "Investindo tudo o que você tem, é possível triunfar". Com a explosão de mexicanos em Nova York nas últimas décadas, seu impacto nos bairros onde se assentaram em maior número foi bem documentado, como em East Harlem, Mott Haven, no sul do Bronx, e Sunset Park, no Brooklyn.
Mas Belmont oferece uma visão de como os mexicanos estão fincando pé em outras partes da cidade que são menos claramente rotuladas e onde estão em número muito menor.
Lenta e silenciosamente, a população mexicana do bairro parece ter atingido o apogeu, injetando nova vida na área e desafiando antigos costumes.
"Eles praticamente nos pegaram de surpresa", disse Frank Franz, um líder empresarial que passou a vida toda em Belmont. "Quando você via que eles abriam suas lojas, você dizia: 'Puxa! Eles vieram em grande número'."
Ainda não está claro se essa prosperidade nascente vai se traduzir em verdadeiro poder político e econômico -uma questão com grandes implicações para uma cidade em que os mexicanos hoje são o grupo imigrante de crescimento mais rápido.
Em 1980, 35 pessoas de origem mexicana viviam em Belmont, segundo cálculos baseados em dados do departamento de sociologia do Queens College, em Nova York. Em 2008, eles haviam crescido para mais de 3.200, ou cerca de 14% da população.
Isso equivale ao aumento de mexicanos em toda a cidade -segundo o Departamento do Censo, de cerca de 6.700 em 1980 para mais de 170 mil hoje-, impelido pela imigração e o alto índice de nascimentos.
Em Belmont, o surto populacional foi sentido nas escolas e igrejas. Na igreja católica de Nosso Salvador, os mexicanos hoje constituem cerca de 80% da congregação, segundo funcionários. Na Escola Pública 32, aproximadamente um quarto do corpo dicente é de origem mexicana, no cálculo da administração.
Na igreja de Nossa Senhora do Monte Carmelo, em Little Italy, foram adotadas missas em espanhol depois de uma resistência inicial dos fiéis italianos, acostumados às missas em inglês e em italiano.
"Eu acho que eles aceitaram a situação", disse a irmã Martina San Pedro, que foi trazida do México pela Arquidiocese de Nova York há 14 anos, para trabalhar com os fiéis latinos na Monte Carmelo. "Eu acho que eles perceberam que as coisas escaparam de suas mãos e que eles tinham de aceitar."
Franz, o líder empresarial, já viu muitas evidências de que os mexicanos estão se enraizando em Belmont. Quatro anos atrás, ele disse, depois que o México foi eliminado da Copa do Mundo e a Itália ganhou, os mexicanos saíram às ruas com bandeiras italianas, gritando "Vencemos!".
Os antigos moradores tomaram nota, e isso ajudou a unir as duas populações, disse Franz.
"Acho que eles pensaram assim: 'Sim, nós gostaríamos que o México ganhasse, mas se o México não pode ganhar gostaríamos que a Itália ganhasse, porque fazemos parte de Little Italy'. Eles estão aqui para criar seu lar, assim como nós criamos o nosso", contou ele.
Como é o caso de muitos bairros de Nova York, os mexicanos ainda não se tornaram ativos em associações comerciais em Belmont. Ainda incipientes politicamente, eles carecem de líderes. Franz disse esperar que os mexicanos cresçam e ajudem a conduzir o progresso.
"Estamos realmente tentando incorporar todos como uma só comunidade", disse.


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