São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009

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Vento e palha abastecem ilha nórdica

Por JOHN TAGLIABUE

SAMSO, Dinamarca - A população de Samso, ilha dinamarquesa, viu o futuro. Ele é pouco iluminado e tem um leve cheiro de palha.
Sem semáforos de trânsito e com pouca iluminação nas ruas, dirigir pela ilha em uma noite sem nuvens é como avançar por uma névoa negra. Há um cinema em Samso, poucos carros e menos ônibus ainda, exceto no verão, quando a população é multiplicada pela chegada de milhares de turistas.
No ano passado, porém, Samso completou dez anos de um experimento para descobrir se poderia tornar-se autossuficiente em energia. Com a ajuda do governo dinamarquês, os moradores locais erigiram turbinas de vento, instalaram fornalhas não poluentes que queimam palha para aquecer suas casas de alvenaria e distribuíram painéis para gerar luz a partir do pouco sol que chega à ilha.
Pelas contas deles, a meta de autossuficiência foi alcançada. Para os especialistas em energia, a medida crucial é a chamada densidade energética, ou seja, a quantidade de energia gerada por unidade de área. Essa densidade deve ser de pelo menos dois watts por m2. "Acabamos de alcançar a meta", disse Soren Hermansen, ex-agricultor e hoje diretor da Academia de Energia local.
Em dezembro, época da cúpula da ONU sobre mudanças climáticas na Dinamarca, delegados serão levados a uma visita a Samso. Eles verão tanto os êxitos obtidos como os obstáculos que dificultam a exportação do modelo seguido na pequena ilha montanhosa.
Hermansen contou que, numa visita recente, o embaixador egípcio na Dinamarca admirou os artefatos instalados pelos habitantes para poupar energia, mas então perguntou quantas pessoas vivem em Samso. Quando ouviu que são cerca de 4.000, disse, exasperado: "É o mesmo que apenas três quadras no Cairo!". Hermansen respondeu: "Talvez seja por aí que vocês devessem começar: não pensar no Egito inteiro, mas cuidar de um quarteirão por vez".
Jorgen Tranberg, 55, concorda. "Se não houvesse palha, não teríamos combustível. Mas temos palha", comentou, tomando café na fazenda de cem hectares na qual tira leite de 150 vacas da raça Holstein. "Cada lugar é diferente."
Contando apenas as turbinas de vento que há na ilha, mas não as que os habitantes de Samso instalaram no estreito de Kattegat, Samso produz eletricidade suficiente para suas necessidades (com as turbinas instaladas no mar, pode até exportar um pouco).
Mas suas plantas de aquecimento, que queimam palha do trigo e centeio cultivados pelos agricultores, cobrem apenas 75% da necessidade de aquecimento da ilha, que continua a depender de óleo e gás importados.
Os moradores locais têm sido criativos. Tranberg tem uma bomba especial para extrair o calor do leite de suas vacas e usa-o para aquecer sua casa. Ele chegou a investir em turbinas de vento. Com um empréstimo bancário, comprou uma por US$ 1,2 milhão; hoje ela fica atrás de sua casa.
Especialistas em energia enfatizam que é crucial que ilhéus tirem energia de sua ilha, sem depender das turbinas marítimas. Nem todas as regiões do mundo contam com milhares de quilômetros de oceano à sua porta, disse Philip Sargent, um dos fundadores do Fórum Energético Cambridge, no Reino Unido.
Mas, disse ele, o experimento também pode ser útil como demonstração do uso de tecnologia ou simplesmente para iluminar a escala do que se faz necessário "em ilhas densamente povoadas, como as ilhas britânicas".
Muitos moradores de Samso tratam o experimento energético como empreendimento com fins lucrativos. É o caso de Uffe Bach e sua mulher, Else Marie.
Bach, 63, é fã de Johnny Cash e se gaba de ser dono da única Harley-Davidson da ilha. Conta que ele próprio fez a maior parte do trabalho de reconstrução da antiga escola na qual hoje vive com sua mulher, instalando um forno a lenha especial para aquecer o andar térreo e deitando 400 m de tubulação para bombear o calor do solo e aquecer o resto da casa.
Dez anos atrás, os Bach pagaram US$ 40 mil para participar de uma turbina de vento ao largo do sul da ilha. Em 2008, receberam dividendos de US$ 4.700 da venda da eletricidade gerada. Else Marie, 45, disse que é natural que os ilhéus invistam no projeto energético.
"As pessoas daqui eram pobres", disse. "Por isso tiveram de pensar de um jeito diferente."


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